terça-feira, 24 de novembro de 2009

Sociologia do Direito

Temas recorrentes de análise da sociologia do Direito:

1-Caráter Patrimonialista do Estado Brasileiro

2-Caráter individualista da cultura jurídica brasileira

3-Modelos de transformações da ordem jurídica estatal.

4-Modelos alternativos/paralelos à ordem jurídica estatal

5-Modelos de complementação da justiça tradicional (poder judiciário)

-Caráter Patrimonialista do Estado Brasileiro

1-Há indiferença do campo público/privado

Um estado burocrático nacional funda todo sua legitimação na lei, imposta a todos de forma igualitária. No espaço público não há privilégios, são todos iguais. Há distinção entre o espaço público e privado. Um estado patrimonialista, por sua vez, funda sua legitimação na tradição e no poder social. Não há distinção entre o público e o privado. As conseqüencias desse estado são entre outras a mercantilização da função pública, personificação dos direitos (não como direito e sim como privilégio) entre outras.

2-Processo de redemocratização, discussão de vários temas e os direitos humanos ainda com bases individualistas. Cada vez mais as classes populares organizam movimentos reinvidicando direitos coletivos. A constituição de 88 em função desses movimentos sociais, incorpora uma série de garantias dos direitos coletivos. A autora acredita que estes direitos são dificilmente aplicados pelo poder judiciário. A solução não está apenas em modificar o aparato institucional.

3-Modelos de transformação da ordem jurídica estatal

Viés Marxista, o direito tende a ser um instrumento de dominação de classe como encontrar formas de modificar esse direito opressor?

Modificação no Aspecto Legalà Práticas das assessorias jurídicas populares (AJUP’s)

Modificação no Aspecto decisional (sentença) àNo campo de atuação profissional da magistratura. Uso alternativo do Direito, movimento de juízes progressistas de politização do poder judiciário, mostrando que não existe nunca neutralidade do juiz em um caso concreto.

4-Modelos Paralelos/alternativos à ordem jurídica estatal

Associação de Moradores

Crime Organizado

5-Modelos de complementação da justiça tradicional

Juizados Especiais

*PLURALISMO JURÍDICO*

Admitir o pluralismo jurídico é admitir a existência de outros direitos, além do estatal.

a)Infra-Nacional – Criação de ordens jurídicas dentro do Estado-Nação
(texto Boaventura de Souza Santos)

b)Supra-Nacional – Criação de ordens jurídicas fora do Estado-Nação

(texto Leonel)

-Infra-Nacional àReflexão acerca da relação entre Estado e Direito(s) nas sociedades capitalistas periféricas.

Resgate da importância do Estado como objeto de pesquisa. O viés marxista antes estudava principalmente a infra-estrutura (economia) e deixava o Estado (superestrutura) em segundo plano. O objeto de estudo “Estado” é importante para a pesquisa marxista diz Boaventura. Não parte do pressuposto que o Estado se limita ao Estado. Existem direitos, entre eles o direito estatal.

Os habitantes de passárgada não reconhecem a legitimidade do direito estatal, uma vez que sua própria habitação é ilegal. Os conflitos que dizem respeito à habitação são resolvidos na oralidade.

Elementos de comparação: retórica (discurso)

-Mobilização Retórica (legitimidade): em pasárgada são so TOPOI’s, pontos de vista geralmente aceitos pela comunidade, já no direito oficial é a Lei.

-Retórica da discussão: em pasárgada é a mediação,com ajuda do mediador as partes vão construindo a decisão, enquanto no direito oficial é a Adjudicação.

-Locus: em pasárgada é a associação demoradores, já no direito oficial é o tribunal

-Retórica do Objeto: em passárgada é flexível, não definitivo já no direito oficial o objeto é delimitado na petção inicial.

-Retórica do Processo: passárgada regras processuais praticamente inexistentes, a questão é maior é a material flexível, já no direito oficial são as regras materiais e processuais.

-Retórica da Linguagem:em passárgada elas são vinculadas ao mundo comum, já no direito oficial elas são formalizadas, tecnicistas

-Retórica das coisas (artefatos) e sua diposição: Em passárgada ela tem proximidade e familiaridade, já no direito oficial existe distanciamento entre partes e julgador.

Em função da reprodução de uma determinada área haverá a criação, de uma ordem jurídica, uma vez que todos os litígios dessa área são marcados pela ilegalidade. Boaventura sustenta que existe uma variação do espaço retórico, na qual o de passárgada é mais amplo e mais presente que o direito oficial.

Nível de institucionalização cada vez mais presente no direito oficial e bem menos estruturado no direito de passárgada.

Como Provar que o direito de passárgada é uma ordem jurídica?

*Sociologia e Antropologia do Direito

A partir da década de 30 a sociologia do direito aumentou seu campo de assunto e vendo sociedades periféricas, a antropologia do direito aumentou seu campo de assunto e vendo sociedades periféricas, a antropologia do direito deixa de estudar somente as sociedades de dreitos arcaicos, como a indigena, e passa a estudar mais as sociedades “urbanizadas e metropolizadas”.

Campos até então separados passaram a se misturar, gerando visões diferentes. Segundo Boaventura, a visão da antropologia traz diferentes problemas para ela mesma:

-A antropologia trabalha com sociedades que não conhecem o arcabouço teórico moderno.

-Dupla visão (glukman e bohann) para o problema conceitual- o que é o direito nas sociedades sem teoria do direito- pois os campos do saber não tem para onde recorrer.

Respostas para o problema- Sociologia em sociedades periféricas. Gluckman tem comceitos teóricos utilizados para compreender sociedades atuais servem de aparato teórico conceitual para entender sociedades periféricas pois são abstrações e não possuem requisitos teóricos. Bohann não tem como utilizar categorias centrais pois elas não tem conceitos próprios, há de se utilizar conceitos nativos. Boaventura procura ser “operacional” (pág 72 do livro). A partir dessa visão todos os tipos de ordem juridica são validas.

Sociedades heterogeneas culturalmente e sociedades cuja diferenciação de classes é grande, situações de potencialidade de pluralismo jurídico.

-Supra-Nacional

Direito produzido pelos blocos econômicos regionais pode originar situações de pluralismo jurídico.

Blocos Econômicos Regionais podem ser visto de duas formas, tradicional(moderna) ou invadora.

Tradicional (moderna):

a)Formação de um estado, direito de um estado federal

b)Organização Internacional, só tem validade dentro do estado se for aceito por ele, não é uma situação de pluralismo juridico.

Inovadora:

Não se pode encaixar em qualquer estrutura de poder até então conhecida. Dois exemplos de inovação:

a)Soberania compartilhada, embora a soberania seja classificada como indivisivel e inalienável.

b)Aplicação direta da norma comumitária (na comunidade euroéia) independentete de reconhecimento pela norma do estado. O juiz vai mobilizar um ordenamento ou outro, não há hierarquia. Novo tipo de direito, na situação de pluralismo jurídico mais poderável e negociável.

De acordo com o Leonel a leitura “inovadora” é a mais pertinente e comprováveis através de observação empíricas.

è DIREITO ALTERNATIVO

1-perspectiva de contextualização

2-perspectiva ideológica

3-perspectiva conceitual

3.1 Conceito de lei e sua aplcação

3.2 Conceito de Justiça

3.3 Conceito de jurista orgânico

3.4 Conceito de ação dos Magistrados

1- Contextualização

Em 25/10/1990 as atitudes de Juízes do RS foram criticadas pelo Jornal da Tarde de SP. Os juízes tendiam à:

a)discutir criticamente a ciência jurídica

b)novas perspectivas de aplicações do direito positivado.

2-Perspectiva ideológica

Discussão feita a partir de uma grade de leitura basicamente marxista, comprometido com o socialismo e com um postura militante.

3-Perspectiva conceitual

3.1- Crítica ao conceito de Lei e sua aplicação. Eles criticavam a neutralidade na aplicação da lei, o ato de julgar não é possivel a partir de um ponto de vista neutro, sempre há um posicionamento político. O ato de julgar tende a ser conservador, mesmo que o juíz não tenha consciência disso. A lei é perpassada por conflitos e não representa um interesse geral, ao contrário, representa interesse das classes sociais. Embora o interesse predominante seja da classe dominante.

3.2- Crítica ao conceito de justiça

Justiça é a aplicação da lei em um caso concreto. O conceito de justiça para Ledio Rosa não é concreto pois não existe um conceito prévio genérico para todos os casos: só se pode determinar o que é justo analisando o caso concreto. Segundo ele, nos casos concretos existem dois tipos de justiça, uma a favor das classes dominantes e outra em benefício das classes desfavorecidas. O direito alternativo tem a postura de buscar a realização da justiça a favor dos dominados.

3.3- Conceito de jurista orgânico

São aqueles juízes que defendem as classes menos abastadas, apesar de terem vindo das classes dominantes. O juiz, via de regra, é recrutado das classes dominantes e se posicionam a favor das mesmas.

3.4- Conceito do jurista em ação

3.4.1. Positivismo de combate

Existem normas que poderiam favorecer as classes desfavorecidas mas elas não são efetivadas. Sendo assim tenta-se efetivar o Instituído Sonegado.

3.4.2. O uso alternativo do direito já aplicado

O direito é aplicado em um determinado sentido, sendo assim tenta-se aplicá-lo em outro sentido. É o Instituído Relido.

3.4.3 Direito alternativo, o direito insurgente

Tenta-se mobilizar referências externas ao ordenamento jurídico e aplica-las aos casos concretos. É o Instuinte Negado.

PROFISSÕES JURÍDICAS

Magistratura

Democratização do poder judiciário (cultura organizacional da magistratura)

a)Categoria gerais de compreensão de uma cultura sócio-profissional

Pierre Burdieu

Campo: Área passível de ser identificada socialmente

Habitus: Os valores socialmente compartilhados no campo

Rito de passagem: Concurso

b)Categorias específicas de compreensão

Em uma “cultura Universalista” tendem à diálogar mais com outros setores da sociedade, enquanto uma “cultura corporativista” tende a se fechar em si.

Em uma cultura “democrática-coletivista” tendem a ver os conflitos organizados em torno de direitos coletivos, enquanto cultura democrático-liberal invididualista que tende à ver os conflitos à partir de elementos do direito individual.

Em uma “cultura (não exclusivamente) legalista” ocorre quanto mais a magistratura usa outros meios que não os legais, para julgar casos concretos. Quanto menos se mobiliza a Lei e mais outros referenciais. Já em uma “cultura legalisa tecnico-profissional” tende a usar somente o ordenameto jurídico.

ELEMENTOS EMPÍRICOS

-processo de recrutamento

nao há mobilidade social na magistratura, pois todo ele é feito por classes medias e altas. A seleção é feitaem torno de um conhecimento basico de direitos individuais., leva à uma cultura conservadora.

-perfil

Classes medias e altas. há a feminilização e juvenilização da magistratura no decorrer da pesquisa

-inserção

a magistratura brasiliera nao tem escola preparatoria pois ja ha familiaridade com o habitus. Eles nao apresentam tensão nem insatisfação ao iniciar o exercicio da profissao.

todos concebem que a atuação profissional do magistrado é resolver conflitos individuais

-democratização do poder judiciário

crise da atuação do corpo de magistrados ou do exterior do cortpo? eles acreditam ser de elementos exteriores. todos sao contra um tipo de controle vindo da população, como eleições.

Eles tem conhecimento sobre o movimento do direito alternativo mas não apoiam.

FUNÇÃO SOCIAL DO PODER JUDICIÁRIO E ACESSO À JUSTIÇA

Função social do poder judiciario e acesso a justiça

obstaculo do uso do poder judiciario pelos setores populares podem ser "resolvidos" em dois níveis:

a)institucional (reforma do poder judiciário)

b) legitimidade é do conhecimento do direito (movimentos sociais dos operadores do direito)

Como as classes populares chegam ao poder judiciario:

4 ondas, 4 fatores facilitadores de acesso a justiça

1.criação da defensoria publica com gratuidade

2.reconheicmento de mecanismos processuais de defesa de direitos coletivos (sindicatos e ação popular)

3.reforma do poder judiciário ->a

4.reforma do ensino jurídico (que se liga ao processo de conhecimento e legitimidade) ->b

3.reforma do poder judiciario

Se dá pela configuração de juizados especiais. Surgem na decada de 80 no rs com a criação de juntas de conciliação dentro do cenario estadual/regional. Em 1985 é trazido para ambito nacional pelo ministerio da desburocratização, criando juizados especiais de pequenas causas, nao atrelado ao poder judiciário.

A CRFB em 88 atrela os juizados especiais ao poder judiciario trazendo a obrigação destes de criálos. Em 1995 exclui-se o termo "pequenas causas" que se associa a valor monetario.

Se caracteriza por ser uma justiça mais rápida, menos burocrática, mais celere. É informal e prima a conciliação, principalmente no sentido da oralidade e a sua não obrigatoriedade de representação por advogado. O estado nao pode ser autor nem réu.

Entretanto, as partes que se utilizam dos juizados especiais são classes médias representadas por advogados, anulando sua função facilitadora de acesso para as classes populares.

Não basta que a institucionalidade se modifique, não pe o suficiente pois duas coisasnao foram colocadas:

-conhecimento do direito por setores mais populares

-reconhecimento da legitimidade do ordenamento juridico pelos mais populares

por isso surge:

4. reforma do ensino jurídico

Balcao de direitos:

financiado pelo ministério da justica que instala em comunidades carentes.

é calcado em uma dupla face:

-divulgação dos direitos (conscientização)

-conciliação

para isso é preciso de um profissional que tenha dominio da tecnica, o que é dificil de se encontrar em projetos desse tipo. tudo o que envolve esses profissionais passa pelo processo de reforma do ensino juridico e a mudança na conscientização do prfissional.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Há diferença entre neutralidade e imparcialidade do juiz?

De acordo com a doutrina "a imparcialidade do juiz é pressuposto para que a relação processual se instaure validamente" (http://www.conjur.com.br/static/text/1211,1 - Ada Pellegrine Grinover, Antônio Carlos de Araújo Cintra e Cândido Rangel Dinamarco na obra "Teoria Geral do Processo").

Trata-se, nas palavras dos estudiosos, de uma das maiores garantias conferidas aos cidadãos contra o arbítrio das autoridades atuantes na Administração Pública. No âmbito do Poder Judiciário, nada mais é que a segurança de que os seus membros não farão distinções em relação às partes de um processo.

Nesse sentido, imparcialidade e neutralidade seriam expressões sinônimas?

Para a parcela majoritária da doutrina, NÃO!

Vejamos.

Com base no exposto acerca da imparcialidade, entende-se que essa se comprova com o atendimento nos artigos 134 e 135 do CPC (Código de Processo Civil), dispositivos que cuidam, respectivamente, do instituto do impedimento e da suspeição.

Falar em juiz imparcial, nesse sentido, importa em dizer que o mesmo não deve ter qualquer interesse em relação às partes do processo, pautando-se, sempre, em atitude omissiva em relação àquelas, preocupando-se, somente, com a efetivação da justiça no caso concreto.

Em sentido totalmente oposto está a neutralidade do juiz, uma idéia desaconselhada pela doutrina.

Juiz neutro é aquele que se fecha a qualquer influência ideológica e subjetiva. É aquele que, ao julgar, se mostra indiferente, insensível.

Não é isso que se busca com a imparcialidade. Não pugnar pelo interesse de uma das partes (imparcialidade) não importa em indiferença ou insensibilidade às circunstâncias do caso concreto.

Concluindo: a imparcialidade, como conseqüência direta do princípio do juiz natural se revela como a exigência de o julgador não se comprometer com uma das partes. Já a neutralidade, conduz o magistrado ao comportamento comprometido, posto que, ao ignorar as nuanças do caso concreto e, os seus aspectos subjetivos, acaba por afetar a sua decisão.



fonte: http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20080825115541409

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Acordão favorável à Adoção por casais homoafetivos

1
APELAÇÃO CÍVEL. ADOÇÃO. CASAL FORMADO POR
DUAS PESSOAS DE MESMO SEXO. POSSIBILIDADE.
Reconhecida como entidade familiar, merecedora da
proteção estatal, a união formada por pessoas do
mesmo sexo, com características de duração,
publicidade, continuidade e intenção de constituir
família, decorrência inafastável é a possibilidade de
que seus componentes possam adotar. Os estudos
especializados não apontam qualquer inconveniente
em que crianças sejam adotadas por casais
homossexuais, mais importando a qualidade do
vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em
que serão inseridas e que as liga aos seus
cuidadores. É hora de abandonar de vez preconceitos
e atitudes hipócritas desprovidas de base científica,
adotando-se uma postura de firme defesa da absoluta
prioridade que constitucionalmente é assegurada aos
direitos das crianças e dos adolescentes (art. 227 da
Constituição Federal). Caso em que o laudo
especializado comprova o saudável vínculo existente
entre as crianças e as adotantes.
NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME.
APELAÇÃO CÍVEL
SÉTIMA CÂMARA CÍVEL
Nº 70013801592
COMARCA DE BAGÉ
MINISTERIO PUBLICO
APELANTE
LI. M. B. G.
APELADO
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Sétima Câmara
Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento
ao apelo.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes
Senhores DESA. MARIA BERENICE DIAS (PRESIDENTE) E DES. RICARDO
RAUPP RUSCHEL.
Porto Alegre, 05 de abril de 2006.

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DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS,
Relator.
RELATÓRIO
DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS (RELATOR)
Trata-se de recurso de apelação interposto pelo MINISTÉRIO
PÚBLICO, irresignado com sentença que deferiu a adoção dos menores P.H.
R.M. (3 anos e 6 meses) e J.V.R.M. (2 anos e 3 meses) a LI. M. B.G.,
companheira da mãe adotiva dos menores L. R.M.
Sustenta que: (1) há vedação legal (CC, art. 1622) ao deferimento
de adoção a duas pessoas, salvo se forem casadas ou viverem em união
estável; (2) é reconhecida como entidade familiar a união estável, configurada
na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de
constituir família, entre homem e mulher; (3) nem as normas constitucionais
nem as infraconstitucionais albergam o reconhecimento jurídico da união
homossexual; (4) de acordo com a doutrina, a adoção deve imitar a família
biológica, inviabilizando a adoção por parelhas do mesmo sexo. Pede
provimento.
Houve resposta.
Nesta instância o Ministério Público opina pelo conhecimento e
provimento do apelo.
É o relatório.

3
VOTOS
DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS (RELATOR) -
A requerente LI.M.B.G., fisioterapeuta e professora universitária,
postula a adoção dos menores P.H.R.M., nascido em 07.09.2002, e J.V.R.M.,
nascido em 26.12.2003. Relata que ambos são filhos adotivos de L.R.M., com
quem a ora requerente mantém um relacionamento aos moldes de entidade
familiar há oito anos.
Em anexo estão os processos em que foi deferida a adoção de
ambos os menores, que são irmãos biológicos, a L.R.M.. Sinale-se que as
crianças são cuidadas por L. desde o nascimento.
A r. sentença recorrida julgou procedente o pleito. O recurso é do
Ministério Público e se baseia na impossibilidade de ser deferida a adoção
conjunta a duas pessoas, salvo se forem casadas ou mantiverem união estável
(art. 1.622 do Código Civil), o que não se configura no caso, diante do fato de
que a pretendente da adoção e a mãe já adotiva das crianças são pessoas do
mesmo sexo. O parecer ministerial nesta instância é no sentido do provimento
(ressalvado o erro material evidente na conclusão, ao dizer que opina pelo
“improvimento”).
Com efeito, o art. 1.622 do Código Civil dispõe:
Ninguém pode ser adotado por duas pessoas, salvo se
forem marido e mulher, ou viverem em união estável.
No caso destes autos, L. (que já é mãe adotiva dos meninos) e LI.
(ora pretendente à adoção) são mulheres, o que, em princípio, por força do art.
226, § 3º, da CF e art. 1.723 do Código Civil, obstaria reconhecer que o

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relacionamento entre elas entretido possa ser juridicamente definido como
união estável, e, portanto, afastaria a possibilidade de adoção conjunta.
No entanto, a jurisprudência deste colegiado já se consolidou, por
ampla maioria, no sentido de conferir às uniões entre pessoas do mesmo sexo
tratamento em tudo equivalente ao que nosso ordenamento jurídico confere às
uniões estáveis. Dentre inúmeros outros julgados, vale colacionar, a título
meramente exemplificativo, o seguinte:
APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO HOMOAFETIVA.
RECONHECIMENTO. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA E DA IGUALDADE.
É de ser reconhecida judicialmente a união homoafetiva
mantida entre dois homens de forma pública e
ininterrupta pelo período de nove anos. A
homossexualidade é um fato social que se perpetuou
através dos séculos, não podendo o judiciário se olvidar
de prestar a tutela jurisdicional a uniões que, enlaçadas
pelo afeto, assumem feição de família. A união pelo amor
é que caracteriza a entidade familiar e não apenas a
diversidade de gêneros. E, antes disso, é o afeto a mais
pura exteriorização do ser e do viver, de forma que a
marginalização das relações mantidas entre pessoas do
mesmo sexo constitui forma de privação do direito à vida,
bem como viola os princípios da dignidade da pessoa
humana e da igualdade.
AUSÊNCIA DE REGRAMENTO ESPECÍFICO.
UTILIZAÇÃO DE ANALOGIA E DOS PRINCÍPIOS
GERAIS DE DIREITO.
A ausência de lei específica sobre o tema não implica
ausência de direito, pois existem mecanismos para suprir
as lacunas legais, aplicando-se aos casos concretos a
analogia, os costumes e os princípios gerais de direito,
em consonância com os preceitos constitucionais (art. 4º
da LICC). Negado provimento ao apelo, vencido o Des.
Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves. 1
Com efeito, o tratamento analógico das uniões homossexuais
como entidades familiares segue a evolução jurisprudencial iniciada em
meados do séc. XIX no Direito francês, que culminou no reconhecimento da
1 AC 70009550070, J.EM 17.11.2004, Rel. Maria Berenice Dias.

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sociedade de fato nas formações familiares entre homem e mulher não
consagradas pelo casamento. À época, por igual, não havia, no ordenamento
jurídico positivo brasileiro, e nem no francês, nenhum dispositivo legal que
permitisse afirmar que união fática entre homem e mulher constituía família, daí
por que o recurso à analogia, indo a jurisprudência inspirar-se em um instituto
tipicamente obrigacional como a sociedade de fato.
Houve resistências inicialmente? Certamente sim, como as há
agora em relação às uniões entre pessoas do mesmo sexo. O fenômeno é
rigorosamente o mesmo. Não se está aqui a afirmar que tais relacionamentos
constituem exatamente uma união estável. O que se sustenta é que, se é para
tratar por analogia, muito mais se assemelham a uma união estável do que a
uma sociedade de fato. Por quê? Porque a affectio que leva estas duas
pessoas a viverem juntas, a partilharem os momentos bons e maus da vida é
muito mais a affectio conjugalis do que a affectio societatis. Elas não estão ali
para obter resultados econômicos da relação, mas, sim, para trocarem afeto, e
esta troca de afeto, com o partilhamento de uma vida em comum, é que forma
uma entidade familiar. Pode-se dizer que não é união estável, mas é uma
entidade familiar à qual devem ser atribuídos iguais direitos.
Estamos hoje, como muito bem ensina Luiz Edson Fachin, na
perspectiva da família eudemonista, ou seja, aquela que se justifica
exclusivamente pela busca da felicidade, da realização pessoal dos seus
indivíduos. E essa realização pessoal pode dar-se dentro da
heterossexualidade ou da homossexualidade. É uma questão de opção, ou de
determinismo, controvérsia esta acerca da qual a ciência ainda não chegou a
uma conclusão definitiva, mas, de qualquer forma, é uma decisão, e, como tal,
deve ser respeitada.
Parece inegável que o que leva estas pessoas a conviverem é o
amor. São relações de amor, cercadas, ainda, por preconceitos. Como tal, são

6
aptas a servir de base a entidades familiares equiparáveis, para todos os
efeitos, à união estável entre homem e mulher.
Em contrário a esse entendimento costuma-se esgrimir sobretudo
com o argumento de que as entidades familiares estão especificadas na
Constituição Federal, e que dentre elas não se alinha a união entre pessoas de
mesmo sexo. Respondendo vantajosamente a tal argumento, colaciono aqui
preciosa lição de Maria Celina Bodin de Moraes2 , onde aquela em. jurista
assim se manifesta :
O argumento jurídico mais consistente, contrário à
natureza familiar da união civil entre pessoas do mesmo
sexo, provém da interpretação do Texto Constitucional.
Nele encontram-se previstas expressamente três formas
de configurações familiares: aquela fundada no
casamento, a união estável entre um homem e uma
mulher com ânimo de constituir família (art. 226, §3º),
além da comunidade formada por qualquer dos pais e
seus descendentes (art. 226, § 4º). Alguns autores, em
respeito à literalidade da dicção constitucional e com
argumentação que guarda certa coerência lógica,
entendem que ‘qualquer outro tipo de entidade familiar
que se queira criar, terá que ser feito via emenda
constitucional e não por projeto de lei’.
O raciocínio jurídico implícito a este posicionamento pode
ser inserido entre aqueles que compõem a chamada
teoria da ‘norma geral exclusiva’ segundo a qual,
resumidamente, uma norma, ao regular um
comportamento, ao mesmo tempo exclui daquela
regulamentação todos os demais comportamentos3.
Como se salientou em doutrina, a teoria da norma geral
exclusiva tem o seu ponto fraco no fato de que, nos
ordenamentos jurídicos , há uma outra norma geral
(denominada inclusiva), cuja característica é regular os
casos não previstos na norma, desde que semelhantes a
ele, de maneira idêntica4. De modo que, frente a uma
lacuna, cabe ao intérprete decidir se deve aplicar a norma
geral exclusiva, usando o argumento a contrario sensu,
2 A união entre pessoas do mesmo sexo: uma análise sob a perspectiva civil-constitucional. In
RTDC. v. 1.p. 89/112.
3 E.Zietelman, Lüken im Recht, (1903) e D. Donati. Il problema delle ordinamento giuridico
(1910) apud N. Bobbio. Teoria do Ordenamento Jurídico, (1950), Brasília-São Paulo: Ed. UNBPolis,
1989, p. 132 e ss.
4 N. Bobbio. Teoria do Ordenamento. Op. cit. p.135.

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ou se deve aplicar a norma geral inclusiva, através do
argumento a simili ou analógico.
Sem abandonar os métodos clássicos de interpretação,
verificou-se que outras dimensões, de ordem social,
econômica, política, cultural etc., mereceriam ser
consideradas , muito especialmente para interpretação
dos textos das longas Constituições democráticas que se
forjaram a partir da segunda metade deste século.
Sustenta a melhor doutrina, modernamente, com efeito, a
necessidade de se utilizar métodos de interpretação que
levem em conta trata-se de dispositivo constante da Lei
Maior e, portanto, métodos específicos de interpretação
constitucional devem vir à baila.
Daí ser imprescindível enfatizar, no momento
interpretativo, a especificidade da normativa
constitucional – composta de regras e princípios –, e
considerar que os preceitos constitucionais são,
essencialmente, muito mais indeterminados e elásticos
do que as demais normas e, portanto, ‘não
predeterminam, de modo completo, em nenhum caso, o
ato de aplicação, mas este se produz ao amparo de um
sistema normativo que abrange diversas possibilidades’5.
Assim é que as normas constitucionais estabelecem,
através de formulações concisas, ‘apenas os princípios e
os valores fundamentais do estatuto das pessoas na
comunidade, que hão de ser concretizados no momento
de sua aplicação’ 6.
Por outro lado, é preciso não esquecer que segundo a
perspectiva metodológica de aplicação direta da
Constituição às relações intersubjetivas, no que se
convencionou denominar de ‘direito civil-constitucional’, a
normativa constitucional, mediante aplicação direta dos
princípios e valores antes referidos, determina o iter
interpretativo das normas de direito privado – bem como
a colmatação de suas lacunas –, tendo em vista o
princípio de solidariedade que transformou,
completamente, o direito privado vigente anteriormente,
de cunho marcadamente individualístico. No Estado
democrático e social de Direito, as relações jurídicas
privadas ‘perderam o caráter estritamente privatista e
inserem-se no contexto mais abrangente de relações a
serem dirimidas, tendo-se em vista, em última instância,
no ordenamento constitucional.
Seguindo-se estes raciocínios hermenêuticos, o da
especificidade da interpretação normativa civil à luz da
Constituição, cumpre verificar se por que a norma
5 E. Alonso Garcia. La Interpretacion de la Constituición. Madrid: Centro de Estudios
Constitucionales, 1984. p. 16.
6 J.C. Vieira de Andrade. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976.
Coimbra: Almedina, 1987. p. 120.

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constitucional não previu outras formas de entidades
familiares, estariam elas automaticamente excluídas do
ordenamento jurídico, sendo imprescindível, neste caso,
a via emendacional para garantir proteção jurídica às
uniões civis entre pessoas do mesmo sexo, ou se, ao
contrário, tendo-se em vista a similitude das situações,
estariam essas uniões abrangidas pela expressão
constitucional ‘entidade familiar’.
Ressalte-se que a Constituição Federal de 1988, além
dos dispositivos enunciados em tema de família,
consagrou, no art. 1º, III, entre os seus princípios
fundamentais, a dignidade da pessoa humana,
‘impedindo assim que se pudesse admitir a superposição
de qualquer estrutura institucional à tutela de seus
integrantes, mesmo em se tratando de instituições com
status constitucional, como é o caso da empresa, da
propriedade e da família’7. Assim sendo, embora tenha
ampliado seu prestígio constitucional, a família, como
qualquer outra comunidade de pessoas, ‘deixa de ter
valor intrínseco, como instituição capaz de merecer tutela
jurídica pelo simples fato de existir, passando a ser
valorada de maneira instrumental, tutelada na media em
que se constitua em um núcleo intermediário de
desenvolvimento da personalidade dos filhos e de
promoção da dignidade de seus integrantes’8. É o
fenômeno da ‘funcionalização’ das comunidades
intermediárias – em especial da família – com relação
aos membros que as compõem9.
A proteção jurídica que era dispensada com
exclusividade à ‘forma’ familiar (pense-se no ato formal
do casamento) foi substituída, em conseqüência, pela
tutela jurídica atualmente atribuída ao ‘conteúdo’ ou à
substância: o que se deseja ressaltar é que a relação
estará protegida não em decorrência de possuir esta ou
aquela estrutura, mesmo se e quando prevista
constitucionalmente, mas em virtude da função que
desempenha – isto é, como espaço de troca de afetos,
assistência moral e material, auxílio mútuo,
companheirismo ou convivência entre pessoas humanas,
quer sejam do mesmo sexo, quer sejam de sexos
diferentes.
Se a família, através de adequada interpretação dos
dispositivos constitucionais, passa a ser entendida
principalmente como ‘instrumento’, não há como se
recusar tutela a outras formas de vínculos afetivos que,
embora não previstos expressamente pelo legislador
constituinte, se encontram identificados com a mesma
7 G.Tepedino. Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p.350.
8 Idem.
9 P. Perlingieri. Il diritto civille nella legalitá constituzionale. Camerino-Napoli. ESI, 1984. p. 558.

9
ratio, como os mesmo fundamentos e com a mesma
função. Mais do que isto: a admissibilidade de outras
formas de entidades ‘familiares’ torna-se obrigatória
quando se considera seja a proibição de qualquer outra
forma de discriminação entre as pessoas, especialmente
aquela decorrente de sua orientação sexual – a qual se
configura como direito personalíssimo –, seja a razão
maior de que o legislador constituinte se mostrou
profundamente compromissado com a com a dignidade
da pessoa humana (art. 1º, II, CF), tutelando-a onde quer
que sua personalidade melhor se desenvolva. De fato, a
Constituição brasileira, assim como a italiana, inspirou-se
no princípio solidarista, sobre o qual funda a estrutura da
República, significando dizer que a dignidade da pessoa
é preexistente e a antecedente a qualquer outra forma de
organização social.
O argumento de que à entidade familiar denominada
‘união estável’ o legislador constitucional impôs o
requisito da diversidade de sexo parece insuficiente para
fazer concluir que onde vínculo semelhante se
estabeleça, entre pessoas do mesmo sexo serão
capazes, a exemplo do que ocorre entre heterossexuais,
de gerar uma entidade familiar, devendo ser tutelados de
modo semelhante, garantindo-se-lhes direitos
semelhantes e, portanto, também, os deveres
correspondentes. A prescindir da veste formal, a ser dada
pelo legislador ordinário, a jurisprudência – que, em geral,
espelha a sensibilidade e as convenções da sociedade
civil –, vem respondendo afirmativamente.
A partir do reconhecimento da existência de pessoas
definitivamente homossexuais, ou homossexuais inatas,
e do fato de que tal orientação ou tendência não
configura doença de qualquer espécie – a ser, portanto,
curada e destinada a desaparecer –, mas uma
manifestação particular do ser humano, e considerado,
ainda, o valor jurídico do princípio fundamental da
dignidade da pessoa, ao qual está definitivamente
vinculado todo o ordenamento jurídico, e da conseqüente
vedação à discriminação em virtude da orientação sexual,
parece que as relações entre pessoas do mesmo sexo
devem merecer status semelhante às demais
comunidade de afeto, podendo gerar vínculo de natureza
familiar.
Para tanto, dá-se como certo o fato de que a concepção
sociojurídica de família mudou. E mudou seja do ponto de
vista dos seus objetivos, não mais exclusivamente de
procriação, como outrora, seja do ponto de vista da
proteção que lhe é atribuída. Atualmente, como se
procurou demonstrar, a tutela jurídica não é mais
concedida à instituição em si mesma, como portadora de
um interesse superior ou supra-individual, mas à família

10
como um grupo social, como o ambiente no qual seus
membros possam, individualmente, melhor se
desenvolver (CF, art. 226, §8º).
Partindo então do pressuposto de que o tratamento a ser dado às
uniões entre pessoas do mesmo sexo, que convivem de modo durável, sendo
essa convivência pública, contínua e com o objetivo de constituir família deve
ser o mesmo que é atribuído em nosso ordenamento às uniões estáveis, resta
concluir que é possível reconhecer, em tese, a essas pessoas o direito de
adotar em conjunto.
É preciso atentar para que na origem da formação dos laços de
filiação prepondera, acima do mero fato biológico, a convenção social. É
Villela10 que assinala:
se se prestar atenta escuta às pulsações mais profundas
da longa tradição cultural da humanidade, não será difícil
identificar uma persistente intuição que associa a
paternidade antes com o serviço que com a procriação.
Ou seja: ser pai ou ser mãe não está tanto no fato de
gerar quanto na circunstância de amar e servir.
Na mesma senda, leciona Héritier11 :
Não existem, até nossos dias, sociedades humanas que
sejam fundadas unicamente sobre a simples
consideração da procriação biológica ou que lhe tenham
atribuído a mesma importância que a filiação socialmente
definida. Todas consagram a primazia do social – da
convenção jurídica que funda o social – sobre o biológico
puro. A filiação não é, portanto, jamais um simples
derivado da procriação.
Além de a formação do vínculo de filiação assentar-se
predominante na convenção jurídica, mister observar, por igual, que nem
sempre, na definição dos papéis maternos e paternos, há coincidência do sexo
biológico com o sexo social. Neste passo, é Nadaud que nos reporta:
10 VILLELA, João Baptista. A desbiologização da paternidade. In: Revista da Faculdade de
Direito da UFMG. Belo Horizonte. ano 27, n. 21, 1979.
11 Héritier, Françoise. A Coxa de Júpiter – reflexões sobre os novos modos de procriação.
In:Estudos Feministas. ano 8, 1º sem 2000. p. 98.

11
Indépendamment de la forme de la filiation, on remarque
que ce lien de filiation n’est qu’exceptionnellement, au
regard de l’étendue des societés humaines, superposable
à l’engendrement biologique ou à la procréation: il existe
em effet une”‘dissociation entre la ‘verité bilogique de
l’engendrement’ et la filiation”. Ce point est essentiel car il
explique pourquoi, dans la plupart des societés,
l’engendrement et la parenté sont deux choses distinctes.
De la même façon, quand on parle de père et de mère, et
donc d’un individu masculin ou féminin, il faut differencier
ce qui est le sexe biologique de ce qui est le sexe social,
lesquels, bien souvant, sont loin de se recouper: bon
nombre de sociétés dissocient ainsi le sexe biologique du
genre dans la genèse des liens de filiation.12
Melhor esclarecendo essa perspectiva, é novamente Héritier13
quem nos traz da antropologia um exemplo que evidencia que em
organizações sociais tidas por primitivas o papel de pai nem sempre é exercido
por um indivíduo do sexo masculino:
Num caso particularmente interessante encontrado entre
os Nuer, é uma mulher, considerada como homem, que
enquanto pai, se vê atribuir uma descendência. Nesta
sociedade, com efeito, as mulheres que provam, depois
de terem sido casadas por tempo suficientemente longo,
sua esterilidade definitiva, retornam a sua linhagem de
origem, onde são consideradas totalmente como homens.
Este é apenas um dos exemplos em que a mulher estéril,
longe de ser desacreditada por não poder cumprir seu
destino feminino, é creditada com essência masculina. A
‘bréhaigne’, como mostra a etiologia proposta por Littré, é
uma mulher-homem (de ‘barus’ = ‘vir’ em baixo latim),
mas, pode-se, segundo a cultura, tirar dessa assimilação
conclusões radicalmente diferentes. Para os Nuer, a
12 EM TRADUÇÃO LIVRE: Independentemente da forma da filiação, observa-se que esse laço
não é senão excepcionalmente, em vista da diversidade das sociedades humanas,
superponível ao engendramento biológico ou à procriação: existe, com efeito, uma “dissociação
entre a ‘verdade biológica do engendramento’ e a filiação”. Este ponto é essencial pois explica
porque, na maior parte das sociedades, o engendramento e a parentalidade são coisas
distintas. Do mesmo modo, quando se fala de pai e de mãe, e, portanto, de um indivíduo
masculino ou feminino, é preciso diferenciar o sexo biológico do social, os quais,
freqüentemente, estão longe de coincidir: bom número de sociedades dissociam o sexo
biológico do gênero na gênese dos laços de filiação.
Nadaud, Stéphane. Homoparentalité – une nouvelle chance pour la famille?. Paris: Librairie
Arthème Fayard, 2002. p. 45.
13 Héritier, Françoise. Op. cit. pp. 108/109.

12
mulher ‘brehaigne’ acede ao status masculino. Como
todo casamento legítimo é sancionado por importantes
transferências de gado da família do marido à da esposa,
este gado é repartido entre o pai e os tios paternos desta.
De volta à casa de seus irmãos, a mulher estéril se
beneficia, então, na qualidade de tio paterno, de parte do
gado da compensação dada para suas sobrinhas.
Quando ela, dessa forma, constitui um capital, ela pode,
por sua vez, fornecer uma compensação matrimonial e
obter uma esposa da qual ela se torna o marido. Essa
relação conjugal não leva a relações homossexuais: a
esposa serve seu marido e trabalha em seu benefício. A
reprodução é assegurada graças a um criado, a maior
parte das vezes de uma etnia estrangeira, que cumpre
tarefas pastoris mas assegura também o serviço de cama
junto à esposa. Todas as crianças vindas ao mundo são
do ‘marido’, que a transferência do gado designou
expressamente, segundo a lei social que faz a filiação.
Elas portam seu nome, chamam-na ‘pai’, a respeitam e
não se estabelece nenhum laço particular com seu
genitor, que não possui direitos sobre elas e se vê
recompensado por seu papel pelo ganho de uma vaca,
por ocasião do casamento das filhas, vaca que é o
prêmio por engendrar. Estatutos e papéis masculinos e
femininos são aqui, portanto, independentes do sexo: é a
fecundidade feminina ou sua ausência que cria a linha de
separação. Levado ao extremo, esta representação que
faz da mulher estéril um homem a autoriza a representar
o papel de homem em toda sua extensão social.
Como se vê, nada há de novo sob o sol, quando se cogita de
reconhecer a duas pessoas de mesmo sexo (no caso, duas mulheres), que
mantém uma relação tipicamente familiar, o direito de adotar conjuntamente.
Resta verificar se semelhante modalidade de adoção constitui
efetivo benefício aos adotandos, critério norteador insculpido no art. 1.625 do
Código Civil.
Nadaud14, em sua tese de doutorado, realizou estudo sobre uma
população de infantes criados em lares de homossexuais, constatando que:
14EM TRADUÇÃO LIVRE: (...) globalmente, seus comportamentos não variam
fundamentalmente daqueles da população em geral. Não se trata de afirmar que todos os filhos

13
(...) globalement, leurs comportements ne varient pas
fondamentalement de ceux de la population générale. Il
ne s’agit donc pas d’affirmer que tous les enfants de
parents homosexuels “vont bien”, mais d’apporter uma
pierre supplémentaire à l’édifice des études qui montrent
déjá que leurs comportements correspondent à ceux des
autres enfants de leur âge. Ce qui revient absolutament
pas à nier leur spécificité.
Não é diferente a conclusão a que chegaram Tasker e
Golombok15:
Ce qui apparait clairement dans la présente étude, c’est
que les enfants qui grandissent dans une famille
lesbienne n’auront pas necessairement de problèmes liés
à cela à l’âge adulte. De fait, les resultats de la présente
étude montrent que les jeunes gens élevés par une mère
lesbienne reussissent bien à l’âge adulte et ont de bonnes
relations avec leurs famille, leurs amie e leurs
partenaires. Dans les décisions de justice que statuent
sur la capacité ou l’incapacité d’um adulte à élever um
enfant, il conviendrait de ne plus se fonder sur
l’orientation sexuelle de la mère pour évaluer l’intérêt de
l’enfant.
Idêntica é a pesquisa de CJ. Patterson16, da Universidade de
Virgínia (USA), ao afirmar que:
de pais homossexuais “estão bem”, mas de acrescentar uma pedra suplementar ao edifício dos
estudos que mostram que seus comportamentos correspondem aos das outras crianças de sua
idade. O que não significa, absolutamente, negar sua especificidade. Nadaud, Stéphane. Op.
cit. p. 302.
15 EM TRADUÇÃO LIVRE : O que aparece claramente no presente estudo, é que as crianças
que crescem em uma família de lésbicas não apresentam necessariamente problemas ligados
a isso na idade adulta. De fato, os resultados do presente estudo mostram que os jovens
cuidados por uma mãe lésbica alcançam bem a idade adulta e têm boas relações com suas
famílias, seus amigos e seus parceiros. As decisões da justiça que avaliam a capacidade de
um adulto em criar de uma criança não devem se fundar sobre a orientação sexual da mãe
para avaliar o interesse da criança.
Tasker, Fiona L. e Susan Golombok – Grandir Dans une Famille Lesbienne. In:
Homoparentalités, état des lieux. Coord.: Martine Gross. Paris: Éditions érès, 2005. p. 170.
16 EM TRADUÇÃO LIVRE: Em resumo, não há dados que permitam afirmar que as lésbicas e
os gays não são pais adequados ou mesmo que o desenvolvimento psicossocial dos filhos de
gays e lésbicas seja comprometido sob qualquer aspecto em relação aos filhos de pais
heterossexuais. Nenhum estudo constata que os filhos de pais gays ou lésbicas são deficitários
em qualquer domínio significativo, em relação aos filhos de pais heterossexuais. Além disso, os
resultados atuais deixam pensar que os relacionamentos familiares fornecidos pelos pais gays

14
Em resume, il n’existe pas de données que permettraient
d’avancer que les lesbiennes et les gays ne sont pas des
parents adéquats ou encore que le devoloppement
psychosocial des enfants de gays ou de lesbiennes soit
compromis, sous quelques aspect que ce soit, par rapport
à celui des enfants de parents hétérosexuels. Pas une
seule étude n’a constate que les enfants de parents gays
ou lesbiens sont handicapés, dans quelques domaine
significatif que se soit, par rapport aux enfants de parents
hetérosexuels. De plus, les résultats à ce jour laissent
penser que les environnements familiaux fournis par les
parents gays et lesbiens sont suscetibles de soutenir et
d’aider la maturation psychosociale des enfants de la
même manière que ceux fournis par les parents
hétérosexuels.
Na Universidade de Valência (ESP), o estudo de Navarro, Llobell
e Bort17 aponta na mesma direção:
Los resultados ofrecen de forma unánime datos que son
coherentes com el postulado de la parentalidad como un
proceso bidireccional padres-hijos que no está
relacionado com la orientación sexual de los padres.
Educar y criar a los hijos de forma saludable lo realizan
de forma semejante los padres homosexuales y los
padres heterosexuales.
Também a Academia Americana de Pediatria (American Academy
of Pediatrics), em estudo coordenado por Ellen C. Perrin18, concluiu:
e lésbicas são suscetíveis de sustentar e ajudar o amadurecimento psicossocial dos filhos do
mesmo modo que aqueles fornecidos pelos pais heterossexuais.
CJ. PATTERSON. Resultats des Recherches concernants l’homoparentalité. Texto cedido, por
via eletrônica, pela Dra. Elizabeth Zambrano.
17 EM TRADUÇÃO LIVRE: Os resultados oferecem de forma unânime dados que são
coerentes com o postulado da parentalidade como um processo bidirecional que não está
relacionado com a orientação sexual dos pais. Educar e criar os filhos de forma saudável o
realizam semelhantemente os pais homossexuais e os heterosexuais.
Frias Navarro, Pascual Llobell e Monterde Bort. Hijos de padres homosexuales: qué les
diferencia. Texto cedido, em meio eletrônico, pela Dra. Elizabeth Zambrano.
18 EM TRADUÇÃO LIVRE: Um crescente conjunto da literatura cientifíca demonstra que a
criança que cresce com 1 ou 2 pais gays ou lésbicas se desenvolve tão bem sob os aspectos
emocional, cognitivo, social e do funcionamento sexual quanto a criança cujos pais são
heterossexuais. O bom desenvolvimento das crianças parece ser influenciado mais pela
natureza dos relacionamentos e interações dentro da unidade familiar do que pela forma
estrutural específica que esta possui. Ellen C. Perrin : Technical Report: Coparent or Second-
Parent Adoption by Same-Sex Parents. Texto cedido, em meio eletrônico, pela Dra. Elizabeth
Zambrano.

15
A growing body of scientific literature demonstrates that
children who grow up with 1 or 2 gay and/or lesbian
parents fare as well in emotional, cognitive, social, and
sexual functioning as do children whose parents are
heterosexual. Children’s optimal development seems to
be influenced more by the nature of the relationships and
interactions within the family unit than by the particular
structural form it takes.
Como se vê, os estudos especializados não indicam qualquer
inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais
importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em
que serão inseridas e que as liga a seus cuidadores.
É, portanto, hora de abandonar de vez os preconceitos e atitudes
hipócritas desprovidas de base científica, adotando-se uma postura de firme
defesa da absoluta prioridade que constitucionalmente é assegurada aos
direitos das crianças e dos adolescentes (art. 227 da Constituição Federal).
Como assinala Rolim19 :
Temos, no Brasil, cerca de 200 mil crianças
institucionalizadas em abrigos e orfanatos. A esmagadora
maioria delas permanecerá nesses espaços de
mortificação e desamor até completarem 18 anos porque
estão fora da faixa de adoção provável. Tudo o que essas
crianças esperam e sonham é o direito de terem uma
família no interior das quais sejam amadas e respeitadas.
Graças ao preconceito e a tudo aquilo que ele oferece de
violência e intolerância, entretanto, essas crianças não
poderão, em regra, ser adotadas por casais
homossexuais. Alguém poderia me dizer por quê? Será
possível que a estupidez histórica construída
escrupulosamente por séculos de moral lusitana seja
forte o suficiente para dizer: - "Sim, é preferível que essas
crianças não tenham qualquer família a serem adotadas
por casais homossexuais" ? Ora, tenham a santa
paciência. O que todas as crianças precisam é cuidado,
carinho e amor. Aquelas que foram abandonadas foram
19 Rolim, Marcos. Casais homossexuais e adoção. Disponível em:
http://www.rolim.com.br/cronic162.htm. Acesso em: 31 mar. 06.

16
espancadas, negligenciadas e/ou abusadas sexualmente
por suas famílias biológicas. Por óbvio, aqueles que as
maltrataram por surras e suplícios que ultrapassam a
imaginação dos torturadores; que as deixaram sem terem
o que comer ou o que beber, amarradas tantas vezes ao
pé da cama; que as obrigaram a manter relações sexuais
ou atos libidinosos eram heterossexuais, não é mesmo?
Dois neurônios seriam, então, suficientes para concluir
que a orientação sexual dos pais não informa nada de
relevante quando o assunto é cuidado e amor para com
as crianças. Poderíamos acrescentar que aquela
circunstância também não agrega nada de relevante,
inclusive, quanto à futura orientação sexual das próprias
crianças, mas isso já seria outro tema. Por hora, me
parece o bastante apontar para o preconceito vigente
contra as adoções por casais homossexuais com base
numa pergunta: - "que valor moral é esse que se faz
cúmplice do abandono e do sofrimento de milhares de
crianças?"
Postas as premissas, passo ao exame do caso, a fim de verificar
se estão aqui concretamente atendidos os interesses dos adotandos.
E também sob esse aspecto, a resposta é favorável à apelada.
Como ressalta o relatório de avaliação, de fls. 13/17 :
Li. de 39 anos e L. de 31 anos, convivem desde 1998.
Em abril de 2003 L. teve a adoção de P.H. deferida e, em
fevereiro de 2004 foi deferida a adoção de J.V.. Na época
Li. participou da decisão e de todo o processo de adoção
auxiliando nos cuidados e manutenção das crianças.
Elas relatam que, procuram ser discretas quanto ao seu
relacionamento afetivo, na presença das crianças.
Participam igualmente nos cuidados e educação dos
meninos, porém, é Li. que se envolve mais no
deslocamento deles, quando depende de carro, pois é ela
quem dirige.
Li., diz que, é mais metódica e rígida do que L. e
observou-se que é mais atenta na imposição de limites.
Segundo a Sra. Iara, mãe de Li., a família aceita e apóia
Li. na sua orientação sexual, “ela é uma filha que nunca
deu problemas para a família, acho que as crianças
tiveram sorte, pois têm atenção, carinho e tudo o que

17
necessitam, Li. os trata como filhos” (SIU). Coloca que Lí.
e L. se relacionam bem. Observou-se fotos dos meninos
e de Li. na casa dos pais dela, eles costumam visitá-la
aos finais de semana, quando almoçam todos juntos e
convivem mais com as crianças e L.. Com a família de L.
a convivência é mais freqüente, pois a mãe de L. auxilia
no cuidado a J.V..
Com relação às crianças:
Os meninos chamam Li. e L. de mãe.
P.H. está com 2 anos e 6 meses, freqüenta a Escolinha
particular Modelando Sonhos, a tarde. A professora dele,
L. B. F., informou que o menino apresenta
comportamento normal para sua faixa etária, se relaciona
bem e adaptou-se rapidamente. Li. e L. estão como
responsáveis na escola e participam juntas nos eventos
na escolinha, sendo bem aceitas pelos demais pais de
alunos.
Observou-se que, P.H. é uma criança com aparência
saudável, alegre e ativo. J.V. faz tratamento constante
para bronquite e, apesar dos problemas de saúde iniciais,
apresenta aparência saudável e desenvolvimento normal
para sua faixa etária. Durante a tarde, ele fica sob os
cuidados da mãe de L. enquanto L. e Li. trabalham. A
Sra. N. coloca que os meninos são muito afetivos com as
mães e vice-versa.
L. coloca que até agora, não sentiu nenhuma
discriminação aos filhos e, P.H. costuma ser convidado
para ir brincar na casa de coleguinhas da escolinha. São
convidados para festas de aniversário de filhas de
colegas de trabalho e amigos.
Situação atual:
Li. coloca que sempre pensou em adotar, o que se
acentuou com a convivência com L. e as crianças, pois
se preocupa com o futuro dos meninos, já que L. é
autônoma e possui problema de saúde. E, ela já pensou
em uma situação mais estável, trabalha com vínculo
empregatício como professora da URCAMP, possuindo
convênios de saúde e vantagens para o acesso dos
meninos ao ensino básico e superior. Coloca “a minha
preocupação não é criar polêmica mais resguardá-los
para o futuro” (SIU).
Li. relata que, quando não está trabalhando, se dedica ao
cuidado das crianças. Refere-se à personalidade de cada
um, demonstrando os vínculos e convivência intensa que
possui com os meninos. Diz que costuma limitar a vida
social às condições de saúde das crianças,
principalmente J.V..
(...)
Parecer:

18
De acordo com o exposto acima, s.m.j., parece que, Li.
tem exercido a parentalidade adequadamente.
Com relação às vantagens da adoção para estas
crianças, especificamente, conhecendo-se a família de
origem, pode-se afirmar que, quanto aos efeitos sociais e
jurídicos são inegáveis, quanto aos efeitos subjetivos é
prematuro dizer, porém existem fortes vínculos afetivos
que indicam bom prognóstico. (GRIFEI)
Por fim, de louvar a solução encontrada pelo em. magistrado
Marcos Danúbio Edon Franco, ao determinar na sentença que no assento de
nascimento das crianças conste que são filhas de L.R.M. e Li.M.B.G., sem
declinar a condição de pai ou mãe.
Ante o exposto, por qualquer ângulo que se visualize a
controvérsia, outra conclusão não é possível obter a não ser aquela a que
também chegou a r. sentença, que, por isso, merece ser confirmada.
Nego, assim, provimento ao apelo.
DES. RICARDO RAUPP RUSCHEL (REVISOR) - De acordo.
DESA. MARIA BERENICE DIAS (PRESIDENTE) -
A Justiça tem por finalidade julgar os fatos da vida. E hoje temos
diante dos olhos um fato: dois meninos têm duas mães. Esse fato a Justiça não
pode deixar de enxergar.
Desde que nasceram, essas crianças foram entregues pela mãe
biológica ao casal de lésbicas e por elas são criadas. Para criarem um vínculo
jurídico, para assumirem a responsabilidade decorrente da maternidade,
fizeram uso – como bem disse o Relator – de um subterfúgio: uma delas

19
buscou a adoção. Mas passaram eles a ser criados por ambas, reconhecem as
duas como mães, assim as chamam. Consideram-se filhos de ambas, ou seja,
detêm com relação a elas a posse de estado de filho, estabelecendo com suas
mães um vínculo de filiação.
De há algum tempo a Justiça já vem emprestando maior prestígio
ao vínculo afetivo. É este que é reconhecido como o prevalente ao biológico.
Paulo Lôbo, um dos nossos juristas maiores, inclusive encontra, em cinco
normas constitucionais, fundamento de que a filiação não é estabelecida pelo
critério biológico, mas pelo critério afetivo. Essa foi a escolha do legislador
constitucional. Ao dizer a Constituição que todos os filhos são iguais
independentemente de sua origem, não está preocupado com a verdade
biológica (CF § 6º do art. 227). Ao estabelecer nos §§ 5º e 6º do mesmo artigo
a igualdade de direitos, também faz uma escolha pela filiação afetiva. Ao
referir à “comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”,
inclui os filhos adotivos, com a mesma dignidade da família constitucionalmente
protegida, não sendo relevante a origem ou a existência de um outro pai, que
seria o genitor (CF, § 4º do art. 226). O direito à convivência familiar e não à
origem genética constitui prioridade absoluta de crianças e adolescentes (CF,
art. 227, caput). Igualmente o legislador, ao impor a todos os membros da
família o dever de solidariedade de uns aos outros: dos pais para os filhos e
dos filhos para os pais e de todos em relação aos idosos, também não está
priorizando a filiação biológica (CF arts. 229 e 230).20 Assim, tem assento
constitucional a priorização da filiação afetiva ou socioafetiva, como alguns
preferem dizer.
20 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito ao estado de filiação e direito à origem
genética: uma distinção necessária. Anais do IV Congresso Brasileiro de Direito
de Família. Afeto, ética e família e o novo Código Civil brasileiro. Belo
Horizonte: Del Rey, 2004, p. 515.

20
Então, mister reconhecer que as duas mães mantêm um vínculo
de filiação com essas crianças. Uma delas tem vínculo jurídico decorrente da
adoção, buscando a outra o reconhecimento em juízo da filiação para assumir
as responsabilidades decorrentes do poder familiar. Fazem isso porque são
sabedoras das dificuldades que a ausência desse vínculo pode gerar aos
filhos, eis que todos os pais responsáveis querem preservar sua prole.
Ao depois, a apelada tem vínculo laboral, que garantirá maior
segurança a eles. É funcionária pública e professora universitária, ao contrário
de sua parceira, que, inclusive, tem problemas de saúde. Quer dar aos filhos a
segurança de que, se vier a falecer, terão direitos. Também quer ter a certeza,
de que se vier a falecer a mãe adotiva, terá a possibilidade de ficar com a
guarda dos filhos, porque, se não tiver vínculo nenhum, quiçá, nem com a
guarda dos filhos poderá permanecer. Então, a pretensão desta mãe é a de se
impor obrigações e assegurar direitos aos filhos, estabelecendo um vínculo
jurídico com eles.
Em face disso é que a única observação que eu faria ao
detalhado e preciso voto do eminente Relator é um questionamento sobre a
legitimidade do Ministério Público em veicular o recurso de apelação contra a
sentença que deferiu a adoção. Segundo o Estatuto da Criança e do
Adolescente, entre as funções do Ministério Público, está o de (art. 201, inc.
VIII): “zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais assegurados às
crianças e adolescentes, promovendo as medidas judiciais e extrajudiciais
cabíveis”. Assim, inclusive, creio que teria o Ministério Público legitimidade era
para ingressar com ação de adoção cada vez que se defrontasse com esta
situação consolidada para regulamentar a situação jurídica das crianças.
É chegada a hora de acabar com a hipocrisia e atender ao
comando constitucional de assegurar proteção integral a crianças e
adolescentes. Como há enorme resistência de admitir a adoção por um par
homossexual, mas não há impedimento a que uma pessoa sozinha adote

21
alguém, resolvendo o casal constituir família, somente um busca a adoção.
Não revela sua identidade sexual e no estudo social que é levado a efeito, não
são feitos questionamentos a respeito disso. A companheira ou o companheiro
não é submetido à avaliação e a casa não é visitada. Via de conseqüência, o
estudo social não é bem feito. Para a habilitação deveria atentar-se a tudo isso,
para assegurar a conveniência da adoção. Aliás, este foi o subterfúgio utilizado
pelas mães dessas crianças.
Ora, ao acolher-se eventualmente o recurso interposto por quem
tem o dever legal de proteger crianças e adolescentes, o que isto mudaria?
Afinal, o que quer o agente ministerial? Que essas crianças sejam
institucionalizadas? Que as mãe se separem?
Pelo jeito é isso que pretende o recorrente pois toda a linha de
argumentação que é vertido no recurso é de que a convivência poderia gerar
conseqüências de ordem comportamental ou na identidade sexual das
crianças. Ora, se é perniciosa a convivência o que quer o recorrente é acabar
com o convívio, é afastar os filhos de suas mães. Quem sabe colocá-las em um
abrigo ou entregá-las em adoção a um casal heterossexual.
Então, não consigo encontrar outra justificativa para o recurso a
não ser o preconceito. A falta de lei nunca foi motivo para a Justiça deixar de
julgar ou de fazer justiça. A omissão do legislador não serve de fundamento
para deixar de reconhecer a existência de direitos. O certo é que o acolhimento
da apelação deixaria as crianças ao desabrigo de um vínculo de filiação que já
existe. Ao não se manter a filiação dessas crianças com a sua mãe, estaríamos
mantendo esta feia imagem da Justiça, que é a da Justiça cega, com os olhos
vendados. Temos de continuar, cada vez mais, buscando uma Justiça mais
rente à realidade da vida.

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O voto do eminente Relator, que é uma decisão pioneira no Brasil,
bem retratou esta realidade. Acompanho-o, em todos os seus termos.
É como voto.
DESA. MARIA BERENICE DIAS - Presidente - Apelação Cível nº
70013801592, Comarca de Bagé: "NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME."
Julgador(a) de 1º Grau: MARCOS DANILO EDON FRANCO