segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Matéria Leonel

Essa matéria foi disponibilizada pelo Thiago, ele mandou por e-mail mas para quem não recebeu estou postando no blog.


Sociologia Jurídica
domingo, 23 de agosto de 2009
23:24

Programa de Sociologia Jurídica 2009 - 2º semestre - Macaé

Professor: Joaquim Leonel de Rezende Alvim

PONTOS DO PROGRAMA:
• Apresentação do curso
• A sociologia do direito: discussão geral sobre a importância da disciplina
• Teorias e conceitos: estudo de autores da sociologia do direito - Niklas Luhmann, Jurgen Habermas e Marcelo Neves. Textos Arnaud, Leonel e Neves.
• Métodos gerais e técnicas de pesquisa empírica presentes na sociologia do direito. Texto Treves

AVALIAÇÃO 1

• Os grandes Campos da sociologia do direito: uma abordagem das temáticas estruturantes da disciplinas. Texto Eliane
• Pluralismo Jurídico: Textos Boaventura e Leonel
• Direito Alternativo. Textos Lédio e Pressburger
• Estudo das profissões jurídicas. Texto Eliane
• Função social do Judiciário e acesso à justiça. Texto Sadek, Ribeiro e Grynspan

AVALIAÇÃO 2 - Trabalhos dos grupos
1º Bloco:
Importância da disciplina dentro da formação dos profissionais em direito
Sociologia jurídica diferente de Sociologia do Direito
Marcos conceituais teóricos



2º Bloco: Grandes Temas


A sociologia do direito: discussão geral sobre a importância da disciplina
domingo, 23 de agosto de 2009
23:58
Sociologia Jurídica Sociologia do Direito
Ramo da ciência jurídica
Juristas aplicam, ou seja forma interna a ciência jurídica, adjetivada Sociologia sobre o campo do funcionamento do direito, forma externa, competência maior para o desenvolvimento desta relação através dos sociólogos

Matéria Disciplina
Conteúdo, área do saber Nome do curso inserido em uma grade curricular

Dogmático Zetético
Certeza materializada na lei Questionamento
'Evolução do curso de Direito no Brasil

Resolução 03/72
Matérias Básicas: IED, ECONOMIA, SOCIOLOGIA
Matérias Profissionalizantes:

Portaria 1886/94
Matérias Fundamentais: IED, ECONOMIA, SOCIOLOGIA GERAL, SOCIOLOGIA JURÍDICA, FILOSOFIA GERAL, FILOSOFIA JURÍDICA, ÉTICA GERAL, ÉTICA PROFISSIONALIZANTE, CIÊNCIA POLÍTICA-TEORIA DO ESTADO.

Resolução 09/2004-> Está em jogo relacionar conteúdos com o direito.Dialogar conteúdos

Conteúdos Fundamentais: ECONOMIA, SOCIOLOGIA, FILOSOFIA, ÉTICA, CIÊNCIA POLÍTICA, ANTROPOLOGIA, HISTÓRIA, PSICOLOGIA.
Através da resolução 09/2004 surge a idéia de relacionar conteúdos com o direito afim de que eles dialoguem .

Conclusão Leonel: Através da própria essência da Resolução o mais sensato é a sociologia aplicada através da análise do conteúdo da Sociologia do Direito, apesar de ele mesmo trabalhar com a disciplina Sociologia Jurídica.






Niklas Luhmann
segunda-feira, 24 de agosto de 2009
00:02

Principais autores segundo Leonel

Niklas Luhmann> Sociolgoia/ Sociologa do direito
Jurgen Habermans> Sociologia do Direito/ Filofia
Marcelo Neves> Antropofáfico, espécie de adaptação dos autores acima à luz da realidade brasileira. Sociologia do direito/ Teoria do Direito



Ler Niklas Luhmann


Reflexão do ponto de vista do funcionamento do direito considerando o mesmo um sistema social auto-poiética.

1- Como o conceito surge na Biologia.
2- Mundo das máquinas:
Sistema auto-poiético
=/=/=/=/ (Diferente)
Sistema Alo-poiético
3- Definição da Sociedade
4-Composição da sociedade
5- Direito como sistema auto-poiético

1- Dois biólogos chilenos chamados Maturama e Varela, querendo chegar no campo da biologia na definição da vida, do ser vivo.
A vida vai se definir pela possibilidade de constituição de uma unidade diferenciada de um meio que consegue garantir sua reprodução e autoreprodução a partir de operaçãoes internas da própria unidade, ou seja existe a idéia de fronteira, mas o que garante a reprodução da unidade são operações internas a própria unidade. Isto é um sistema auto-poiético.
UNIDADE DIFERENCIADA DE UM MEIO, APESAR DE HAVER INTEIRAÇÃO ENTRE OS MEIOS, SE REPRODUZEM E SE AUTO-REPRODUZEM
Exemplo concreto:
Ontologia:
o estudo investigativo e comparativo do indivíduo

Colado de


2. Mundo das máquinas:

O carro é um sistema alopoiético porque necessita do motorista para seu funcionamento, ou seja, o seu funcionamento é determinado por ações exteriores.

A unidade diferenciada do meio em que seu funcionamento se dá por funcionamento externos. (alo)

3. Definição de sociedade:

A definição da sociedade se dá pela origem e evolução, se determinando pela complexidade e dupla-contingência

Complexidade é o excesso de possibilidade, gerando uma infinita gama de mundo possíveis. Neste mundo só existe o caos. Para romper este caos, se faz necessário uma primeira seleção. A seleção gera a redução da complexidade tornando a sociedade mais organizada socialmente. ( Ordem )

Porém, Lhumann remete ao fato de que reduzindo-se a complexidade da sociedade causará um aumento da complexidade(paradoxo), Quando todos tem a função de pensar em todas as possibilidade, há uma dada complexidade x, porém a partir do momento da especialização em uma possibilidade (redução), esta possibilidade ganha muitas ramificações por estar sendo analisada individualmente(aumento).


Dupla contingência -> Inicial falta de comunicação -> Seleção -> Informação -> Compreensão -> Comunicação

A sociedade para Luhmann é composta e constituída de comunicação.

4. A partir do momento em que a comunicação geral se ramifica surgindo também a comunicação específica faremos um sub-sistema social autônomo (dar sentido próprio a algo que só pode ser entendido num determinado meio).

Assim o direito se encaixa como um sub-sistema social autônomo em que é fechado no seu funcionamento interno, ou seja do ponto de vista normativo (só ele produz a idéia de legal/ilegal) e aberto no ponto de vista cognitivo pois conhece outros sub-sistemas e seu funcionamentos, recebendo influência e influenciando estes.


Luhman
quarta-feira, 9 de setembro de 2009
18:55

Cada vez mais normas regulam as relações sociais



Jurgen Habermas
domingo, 6 de setembro de 2009
18:29
Habermans é vivo, nasceu em 28.
1º momento- relação habermans x Escola de Frankfurt
2º momento – reflexão sobre a concepção da razão da escola de Frankfurt, mostrando que ao mesmo tempo Habermans se afasta e se aproxima da escola de Frankfurt. 2 razões, uma que domina e uma que emancipa. O direito seria algo produzido tanto pelo sistema e o mundo da vida.

Visão Procedimental do Direito na leitura sociologia de Habermans:
“Sistema” e “Mundo da vida”
1. Escola de Frankfurt
2. Razão Moderna se apresenta de duas formas, uma cara desta visão moderna é a que nos leva a dominação, a outra cara, emancipação.
3. Racionalidade presente num espaço de integração social -> produz uma racionalidade sistema (SISTEMA) e uma racionalidade comunicacional (mundo da vida)
Visão dominadora Visão emancipadora
4. Direito entre sistema e mundo da vida.

Escola de Frankfurt

O instituto de pesquisa sociais fundado em 1926, é um instituto de pesquisa que foi financiado por um empresário magnata argentino simpatizando do Marxismo que tinha como objetivo tirar a reflexão do interior dos partidos comunistas para refletir na universidade.

A visão ortodoxa dos partidos comunistas faziam um certo controle sobre a produção do Marxismo.
A visão heterodoxa da escola fez com inúmeras reflexões surgissem. Uma delas foi:

Crítica contundente ao caráter Emancipatório da Razão Moderna
Até a escola de frankfurt praticamente todos os pensadores modernos(contractualistas) viam uma visão positiva nesta emancipação, evolução.
Esta idéia de que a razão moderna nos leva para um mundo melhor é balela. A razão moderna é um outro fator de dominação, tal qual foi a religião em outro momento histórico.

Não domina na mesma forma mas é um outro fator de dominação.
O Habermans é herdeiro da escola de Frankfurt
É verdade que a razão moderna domina
Reflexão em 2ª momento feito por Habermans:
A razão moderna se apresenta de duas formas:
(Mantém a 1ª crítica)
1ª tende a dominação
2º tende emancipação
É concebida pelos pensadores tradicionais a partir de uma filosofia da consciência.
Razão é um ato mental produzido pela consciência.


Razão
Ser consciência
Racionalidade científica progresso.
Habermans dá uma guinada para compreender a emancipação:

Filosofia da consciência > Lingüística Filosofia da Linguagem(significado, estrutura simbólica) > Comunicacional, Filosofia Comicacional

¹A razão é um ato mental produzido pela consciência, assim quanto mais consciente mais racional.
²A linguagem possuí estrutura da racionalidade.
³A razão estará na comunicação entre sujeitos e mundo, a linguagem será o meio.Função: se relacionar com as coisas.

Teoria Social (Teorema da sociedade)

Nós estabelecemos relações pelo fato de estarmos integrados em 2 grandes espaços sociais.


1. Sistema (Racionalidade Sistêmica;dominação)
Pela complexidade é necessário a produção de Subsistemas, independente da relação dos autores, produzem uma racionalidade.Porque eles vão integrar as pessoas independente de qualquer tipo de acordo ou consenso entre elas. 3 Exemplos:
1º moeda, meio previamente dado que nos integra economicante.
2º direito, independente do nosso acordo valorativo, bem como os valores dos juízes(operadores do direito), nós estamos integrados por uma racionalidade própria do direito, que tende a dominação.
3º poder. Administração pública.Dominação.
2. Mundo da vida(Racionalidade comunicacional, emancipação)
Buscar através de argumentos racionais mostrar que a norma não é plausível.
(Sociedade cívil)

Direito é ao mesmo tempo fato (imposição) mas ele não se legitima se ele não passar pelo espaço público de discussão no qual ele é discutido, onde irá discutir sua validade.
Legitmidade do direito se dá em dois níveis. Nível do estado... pois quem elabora os direito são representantes do estado civil... Nível a posteriori, através da legitmidade adquirida no procedimento de discussão no espaço público de discussão.

Desobediência cívil não é necessariamente contrário ao direito, na verdade é uma norma por meio do direito que não se legiitma no espaço publico de discussão.


Menos Respeito x Mais Coerção
Democracia x Cessação

Legalidade a partir de um elemento jurídico factualmente dado.
Princípio democrático da soberania popular, temos um estado, são os nossos representantes legitimamente eleitos, existe a vontade geral, sem respeitar o indivíduo.
Princípio liberal> existe uma esfera de liberdades individuais que não podem de uma certa maneira, serem violadas, invadidas. Um estado submetido a um certo direito.

Habbermans quer misturar os dois.

Para Luhmann legitimação está no procedimento formal, para Habbermans na discussão.

Conclusão Leonel do Habermans> sustentar que o direito não é somente um conjunto de normas impostas mas deve ser racionalmente aceito no espaço público de discussão, um espaço de tematização em que pode ser averiguar a legitimidade da norma.


Colado de



Estadania
quarta-feira, 9 de setembro de 2009
18:57

José Murilo de Carvalho, tentará mostrar que os movimentos sociais no Brasil, em função de toda uma resistência grande do ponto de vista histórico do estado brasileiro em incorporar as reivindicações dos movimentos sociais do Brasil.



Mais fácil valer as reivindicações quando se está dentro do estado, cooptado(pelo), integrado, vinculado no estado.

Estadania Comportamento Geral dos Movimentos Sociais

Movimentos Sociais
Estratégia
O PROCEDIMENTO NO ESPAÇO PÚBLICO DE DISCUSSÃO É INDISPONÍVEL, NÃO É O CONTEÚDO.

Não existe a autonomia.


Aula Leonel Dia 9/9 - Marcelo Neves

Pensamento de Luhman -> Compreensão do direito como um sistema autopoiético.

Fechado no sentido normativo, produzindo tudo o que é legal e ilegal dentro da sociedade
Na realidade Brasileira, existe uma hipertrofia do código econômico, ao invés do Ilegal/legal


Habermas-> Papel do direito presente além do olhar sistêmico, a presença de direito no espaço público de discussão(autônomo nas relações de poder).

Esfera pública de discussão (comunicacional) sem a presença do estado, ou seja autonoma das relações de poder.

Cidadãos Sub.Integrado Sobre.Integrado
Direitos Constantemente violados Manipulam ao seu prazer
Deveres Grande presença; submissão ao sistema Jurídico, punitivos. Ausência

Sistema-> Possibilidade de se diferenciar de um meio, criando uma unidade que produza e reproduza seus elementos, a partir de funcionamento interno.

Poder
Governo Oposição
Lícito Ilícito
Idéia do Luhman, O poder político funciona





Marcelo Neves diz que no Brasil não desempenha satisfatoriamente o segundo código de poder.

Sistema jurídico medieval não funciona com um sistema autopoiético pois não há a a distinção da Moral, Religião e Direito.

Heterônoma -> De fora.


Entre Têmis e Leviatã: Uma relação Difícil
domingo, 23 de agosto de 2009
23:54

Trabalho de Casa:



Tópicos do Dia:



Pontos Importantes:
O modelo sistêmico Luhmanniano, a sociedade moderna caracteriza-se pela hipercomplexidade, indissociavelmente vinculada à diferenciação funcional, realizada plenamente por subsistemas autopoiéticos.

Marcelo Neves, sustenta que o sistema político e o jurídico é bloqueado generalizadamente na sua autoprodução consistente por injunções heterônomas de outros códigos(TER OU NÃO TER) e critérios sistêmicos, assim como pelos particularismos difusos persistentes na ausência de uma esfera pública pluralista. Corrompendo a autonomia sistêmica.

Habermasiano disserta sobre a legitimação do direito no espaço público de discussão.

O consenso sobre os procedimentos impõe-se enquanto viabiliza e promove o convívio dos diferentes e intermedeia o dissenso estrutural da esfera pública.Porque predomina a exclusão de grandes parcelas da população, não contribuindo na generalização institucional da cidadania.


Tópico da Palestra:
Durante a palestra, faça anotações aqui. Insira uma subpágina para cada tópico da palestra.


Resumo
Depois da palestra, use este espaço para resumir os principais pontos deste tópico da palestra.




Método no campo da Sociologia Jurídica
quarta-feira, 9 de setembro de 2009
20:43

Metodologia ->
Percurso para averiguar a plausibilidade, razoabilidade de uma hipótese.


Método
Epistemologia


¹Neutralidade científica-> O positivismo sociológico concorda. O sujeito de conhecimento observa a realidade tal como ela é, não tão qual ele gostaria que ela fosse.
Uma visão a-valorativa. Objeto de estudo = Realidade

²Objeto construído-> O sujeito de conhecimento observa a realidade tal como ele gostaria que ela fosse, construída, é claro que mais próximo da realidade possível, com os determinados valores, grade de leitura, representações, ideologias do sujeito de conhecimento. Objeto de estudo =/= Realidade

Partindo da Segunda técnica de pesquisa instrumental:
Ponto de Partida:

1. Problema -> Realidade[Construção Social]
2. Problemática-> "Recortar" a realidade ( Objeto ) [Dar conta da realidade]
( Maneira como eu vou olhar/desenvolver o problema difundido em uma sociedade )
3. Hipótese
Procura dar conta, tentativa de explicação da problemática construída(Objeto)
Exemplo concreto:
Com relação a Crise do Poder Judiciário, porque é um poder lento e não satisfatório quanto as decisões.
2 objetos construídos diferentes:
• Causas exógenas a cultura -> Própria estrutura do poder.(Poucos Juízes)
• Causas endógenas a cultura organizacional da magistratura.

Instrumentos de Investigação Científica
quarta-feira, 16 de setembro de 2009
18:51

1. Pesquisa Bibliográfica
2. Pesquisa de documentação Jurídica e não Jurídica
3. Pesquisa de Campo (Na[alise dos comportamentos e do Direito em ação)
1-
1. Não existe pesquisa empírica sem ter um modelo teórico de referência seja consciente ou inconsciente.(Grade de leitura).
2. Primária(Fontes) -> Autor
Secundária(Fontes)->Terceiro
3. Identificação -> (Catálogos, material, "dicas")
Localização -> (Livrarias, Biblioteca)
Compilação -> xerox, comprar
Fichamento -> descritivo e opinativo
2-
Documentação Jurídica
Lei, jurisprudência, Contratos, é o direito produzindo o próprio direito.

Documentação não jurídica
Estatística, Estética (fotos)

Documentação híbrida
Debates parlamentares sobre o projeto de lei.

3-


Modelo Teórica de Referência
O mundo existe de duas maneiras

Cabeça
Dos Autores
Sociais

Categorias
Objetivas
Análise


Não chegar tão seguro quanto as categorias objetivas previamente a ponto de não enxergar os autores sociais, o saber não pode ser tão seguro e amarrado de maneira que não seja sensível quanto aquilo que deverá ser estudado.
Não pode chegar tão seduzido com a cabeça dos atores sociais para não ser um mero porta voz dos autores.

1. Observação não participante
2. Observação Participante
3. Entrevista -
1. Estruturada (Fechada)-> Tem as perguntas e os temas previamente construídos
2. Semi-Estruturada(Focalizada)-> Tem os temas previamente construídos.
3. Aberta-> NADA, CONDUZ O ENTREVISTADOR
4. Questionário -> Fechado e aberto.
Fechado-> é mais no sentido quantitativo
Aberto-> é mais no sentido qualitativo.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Schmitt por Cândido Moreira Rodrigues

Bem, esse texto quem encontrou foi a Louisie, é um texto que simplifica bastante o pensamento do Schmitt. Porém eu recomnedo que vocês o leiam e também leiam o texto que o professor passou, pois ele falou que vai cobrar o texto todo, inclusive partes que ele não deu em sala de Aula. Espero que o texto ajude.




76 Sæculum - REVISTA DE HISTÓRIA [12]; João Pessoa, jan./ jun. 2005.
APONTAMENTOS SOBRE O PENSAMENTO
DE CARL SCHMITT:
UM INTELECTUAL NAZISTA
Cândido Moreira Rodrigues1
“Ao Estado como uma unidade essencialmente política pertence o jus
belli, a possibilidade real de num dado caso, determinar, em virtude de
sua própria decisão, o inimigo e combatê-lo. Com que meios técnicos
a luta será travada, que organização das forças armadas existe, quais
são as perspectivas de vencer a guerra, é aqui indiferente, enquanto o
povo unido politicamente estiver pronto a lutar por sua existência e sua
independência, sendo que ele mesmo determina, em virtude de decisão
própria, em que consiste sua independência e sua liberdade”. 2
Carl Schmitt nasceu na Alemanha, em 1888. Torna-se doutor em direito já em
1910, momento a partir do qual começa a desenvolver sua crítica veemente ao
liberalismo e ao sistema democrático parlamentar alemão, chegando a ser um dos
maiores teóricos da ditadura, do regime de exceção e mesmo a integrar os quadros
do partido nazista entre 1933 e 1936. Tributário dos escritores contrarevolucionários
tem como referência principal a obra do espanhol Juan Donoso
Cortés, fundamentalmente seu conceito de decisão3. Ao contrário da maioria dos
intelectuais que aderem ao nazismo, Carl Schmitt não será um político
descompromissado com o regime, mas sim reconhecido como um dos mais
eminentes teóricos do direito de sua geração4.
Partindo de Donoso Cortés, Schmitt vai defender a idéia segundo a qual a
soberania deve ser entendida como uma questão da decisão sobre um caso de
exceção; a ordem e a segurança públicas devem ser decididas pelo Estado soberano
tendo por base uma instrumentação jurídica como a lei marcial ou o estado de
sítio.
1 Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual Paulista,
Campus de Assis. Desenvolve pesquisa financiada pela FAPESP na área de História do Brasil. É
orientado pelo Prof. Dr. Milton Carlos Costa.
2 SCHMITT, Carl. O conceito do político. Tradução de Álvaro L. M. Valls. Petrópolis: Vozes, 1992,
p.71.
3 ROMANO, Roberto. Conservadorismo romântico: origem do totalitarismo. 2. ed., São Paulo: Editora
da Unesp, 1997. Ver mais sobre o decisionismo de Schmitt em: VALVERDE, Carlos. Introducción
general. In: CORTÉS, Donoso. Obras completas. Tomo I. Madrid: BAC, 1970, p. 130.
4 WOLIN, Richard. Carl Schimitt: l’existencialisme politique et l’État Total. Revue Les Temps Modernes,
Paris, n. 523, fév. 1990, p. 50-88.
Sæculum - REVISTA DE HISTÓRIA [12]; João Pessoa, jan./ jun. 2005. 77
Em Schmitt a ordem jurídica, tal como toda e qualquer ordem, deve
necessariamente basear-se numa decisão e não em uma norma consensual. Daí a
objeção ao liberalismo ser o cerne de sua crítica ao parlamentarismo de Weimar e
é em função disto que ele defende a incompatibilidade da democracia com este
sistema representativo. A soberania como criadora da ordem política e a idéia de
que o esvaziamento do sentido do político ocorre como conseqüência da falta de
um espaço autônomo de decisão sobre os critérios do agir político são os princípios
de sua tese central de que a “legitimidade política na sociedade da democracia de
massas não se basearia mais em convicções de valores principais, senão única e
exclusivamente na legalidade formal do procedimento”5.
Estas questões são discutidas, inicialmente, em suas obras6: A ditadura, de 1921,
Teologia política, de 1922, A situação intelectual (espiritual) do sistema parlamentar
atual, de 1923 e O conceito do político, de 1927.
Para Carl Schmitt as questões da ordem e segurança devem ser frutos de uma
decisão soberana e evidenciadas mais claramente em situações de exceção. Assim,
quando surgem contradições no interior de um Estado ele próprio (Governo) é que
deve contê-las, “decidir o conflito”, com vistas a suprimir a perturbação da
segurança pública mesmo que para isto seja necessária a instalação da ditadura:
“De forma geral, pode chamar-se ditadura a toda exceção de uma
situação considerada como justa... uma exceção da democracia; uma
exceção dos direitos de liberdade garantidos pela constituição, ... uma
exceção da separação dos poderes ou bem... uma exceção do
desenvolvimento orgânico das coisas.”7
Partindo desta premissa Schmitt utiliza-se do artigo 48 da constituição alemã
de 1919 para fundamentar sua visão sobre o estado de exceção. Para ele, de acordo
com este artigo, se a segurança e a ordem públicas se alterassem e colocassem em
perigo a integridade do Reich seria mais que natural que seu presidente adotasse
medidas severas para o restabelecimento da “ordem”, não relutando em momento
algum em intervir com ajuda das forças armadas. Neste caso, o próprio presidente
estaria incumbido de delegar poder a uma comissão de ação (não limitada
juridicamente) que atuaria mediante “delegados comissariais”. Tal seria o caso,
segundo Schmitt, de uma clara ditadura comissarial, onde o presidente poderia
adotar todas as medidas que fossem necessárias, entre as quais afigurava-se a de
“cobrir cidades com gases venenosos... para o restabelecimento da segurança e da
ordem”8.
A predominância do primado do político sobre o jurídico no pensamento de
Schmitt torna-se mais evidente em sua obra A ditadura (1921), na qual toda noção
de constitucional é colocada em questão e onde um dos principais pontos defendidos
5 FLICKINGER, Hans Georg. Apresentação. In: SCHMITT, O conceito do político, p. 26.
6 Os anos mencionados são os da publicação original da obra. Entretanto, trabalharemos com
edições mais recentes.
7 SCHMITT, Carl. La dictadura. Madrid: Revista de Occidente, 1968, p. 194-195.
8 SCHMITT, La dictadura, p. 257-258.
78 Sæculum - REVISTA DE HISTÓRIA [12]; João Pessoa, jan./ jun. 2005.
diz respeito à incumbência do Estado de empregar meios “extra-constitucionais”
para assegurar seus direitos não somente em relação à “desordem interior” mas
sobretudo às “ameaças exteriores”. Neste caso, somente o Estado deveria deter o
poder de decidir sobre a suspensão das condições normais de vida e declarar o
estado de exceção.
Ao mesmo tempo em que para a efetivação das medidas de “segurança e ordem”
não existiria limitação de poder, também seria importante que isto não significasse
uma “dissolução de toda a situação jurídica existente e, por sua vez, a transmissão
da soberania ao presidente do Reich”; seria , portanto, imprescindível que se levasse
em consideração o fato de que tais medidas deveriam ter sempre um caráter factual,
momentâneo, em casos extremos, de modo a não poderem efetivar-se em “atos de
legislação nem de administração de justiça”9.
Entretanto, alerta Richard Wolin, a leitura desatenta desta questão faz Schmitt
figurar como um defensor ou mesmo um “teórico da legitimidade democrática”, o
que não é verdade e lembra que alguns escritores da década de 1920 se prestaram
a tal interpretação (e também uma linha de revisionismo dos anos 80). Mas, o
problema de tal leitura é que ela omite fatos importantes e inquietantes, tanto da
biografia quanto da obra de Schmitt como, por exemplo, o caráter racista presente
em seus escritos e mesmo sua ligação com o Partido Nazista, pontos que não
abordaremos aqui, mas que certamente merecem um estudo aprofundado.
Legitimidade uncional: a ordem da legitimação
Wolin aponta Schmitt como o arquétipo do anti-normativismo alemão nos anos
20 e classifica seus escritos deste período como um ataque direto ao “normativismo”
de Hans Kelsen, jurista positivista cujas idéias estavam muito em voga no período.
Portanto, é o não-normativismo que caracteriza o pensamento schmitiano após a
Primeira Guerra mundial e o que explica sua “obsessão” de um “estado de exceção”.
Para Wolin, no decisionismo schmitiano o que menos importa é o seu conteúdo, a
sua finalidade ou o seu sentido, do que a própria decisão10.
Outro ponto de Schmitt que merece atenção de Wolin é o que surge como uma
aparente oscilação entre dois pólos à primeira vista inconciliáveis. A seu ver, por
um lado, apresenta-se um Schmitt decisionista radical, para quem uma decisão “é
produzida do nada” tomada ex nihilo, sem levar em consideração qualquer situação
concreta do contexto sócio-histórico existente. Por outra parte, apresenta-se um
Schmitt “filósofo da ordem” e incondicionalmente fiel à proteção, à garantia do
sistema existente. Seu status como filósofo da ordem decorre “logicamente de sua
definição funcional (e tautológica) da legitimidade: uma dada ordem é ‘legítima’ se
é reconhecida como tal pela maior parte dos cidadãos”. Uma tal definição de
legitimidade é decorrente, por sua vez, “do abandono do normativismo por Schmitt”,
onde - “na ausência de um conceito teórico de ‘justiça’ no qual uma ordem política
possa ser medida, pautada - a única coisa na qual podia se apoiar era numa definição
9 SCHMITT, La dictadura, p. 258.
10 WOLIN, Carl Schimitt...
Sæculum - REVISTA DE HISTÓRIA [12]; João Pessoa, jan./ jun. 2005. 79
funcional da legitimidade”. Em função disso, completa Wolin, “essas duas posições
à primeira vista inconciliáveis - decisionismo e filosofia da ordem - foram uma
grande fonte de confusão: os diferentes críticos privilegiando um aspecto e excluindo
o outro”11. Tal seria o caso de Karl Löwith (1999)12, que produziu, em 1935, um
excelente ensaio sobre Schmitt, mas enfatizando nele somente a questão do
decisionismo.
Portanto, o cerne da questão em Schmitt reside também no seu “existencialismo
político”. Existencialismo que lhe serviu como meio de conciliar decisionismo e
filosofia da ordem e que, por vez, pode auxiliar na explicação sua relação com o
nacional-socialismo em 1933. Período dominado por um sentimento de crise
intimamente relacionado à “extrema precariedade da situação política e econômica
nos primeiros anos da República”, é neste momento que afloram “filosofias da
crise”, embora para Wolin não reste dúvida de que foi o existencialismo que teve
maior repercussão. Trata-se aqui de um caso muito particular de “existencialismo
alemão”, segundo ele muito em voga durante o período entre as duas grandes
guerras, aquele que “incita ao abandono de alternativas democrático-liberais e
preconiza tendências claramente fascistas”13.Como filosofia, este existencialismo,
serviu de referência às reflexões sobre a “crise do Ocidente” elaboradas por
intelectuais alemães, desde Nietzsche e que a obra de Spengler, O declínio do
Ocidente (1923), havia formulado [as reflexões] de forma apocalíptica. Deste modo,
para Wolin, “a filosofia da crise parecia reforçar o pressentimento de Nietzsche:
todos os valores tradicionais do Ocidente - quer sejam religiosos, éticos ou políticoshaviam
perdido sua validade”. De uma vez, ela reforçava a tese segundo a qual
“toda alternativa à ordem existente do mundo, se pretendia ser verdadeira, deveria
necessariamente ser radical”.
Para o existencialismo, o enfraquecimento de todos os valores tradicionais
significava
“que a existência humana se tornaria um valor em si e para ela mesma.
Desta idéia advém o fundo não-normativista do decisionismo, na sua
versão heideggeriana ou schmittiana: a decisão deve ser tomada ex
nihilo - sem consideração alguma por valores paradigmáticos
culturalmente dominantes e propensos a colocar uma vez mais a decisão
autêntica na condição de ilegalidade, inautenticidade.”14
Uma das questões que incomoda Carl Schmitt diz respeito ao que considera
como sendo uma contradição presente na Constituição alemã. Sua contradição
estaria em conferir ao presidente do Reich a faculdade de suspender toda ordem
jurídica por um lado e, por outro, elencar um número de direitos fundamentais que
poderiam ser suspensos. Ora, argumenta ele:
11 WOLIN, Carl Schimitt..., p. 56.
12 LÖWITH, Karl. Le décisionisme (occasionnel) de Carl Schmitt. Revue Les Temps Modernes, Paris,
n. 544, nov. 1991, p. 15-50.
13 WOLIN, Carl Schimitt..., p. 58.
14 WOLIN, Carl Schimitt..., p. 59.
80 Sæculum - REVISTA DE HISTÓRIA [12]; João Pessoa, jan./ jun. 2005.
“É fora de propósito permitir ao presidente do Reich cobrir cidades
com gases venenosos, ameaçar com pena de morte e expressar-se por
intermédio de comissões extraordinárias considerando-se que, por outro
lado, tenha que certificar-se de que pode permitir às autoridades civis...
a proibição de periódicos. O direito sobre a vida e a morte está implícito,
e o da suspensão da liberdade de imprensa explícito.”15
De acordo com o historiador Bernardo Ferreira, Schmitt não concorda com
esta situação e sugere
“como alternativa à paralisia resultante dos compromissos liberais da
carta de 1919, o exercício dos poderes de exceção que o artigo 48 da
Constituição conferia ao presidente do Reich. A seus olhos, somente
através da capacidade de decisão soberana do presidente seria possível
enfrentar o quadro de crise vivido na República de Weimar.”16
Assim, para Schmitt os poderes presidenciais de urgência deveriam estar livres
de entraves constitucionais. Em outras palavras, se a característica essencial da
República de Weimar, quer dizer, sua identidade, repousava em sua Constituição,
então Carl Schmitt demonstrou-se pouco interessado por aquela identidade. “Ele
pode ter sido o defensor de um sistema presidencial ditatorial, mas certamente
não... da democracia de Weimar. Com efeito, a sutil distinção entre ditadura
comissarial e soberana será rapidamente abandonada em sua obra”17. A prova disso
foi não ter se oposto à ditadura soberana de Adolf Hitler, em 1933. Daí a questão
posta por Wolin: “Onde estava pois nosso ardente defensor da democracia enquanto
nós o procurávamos? Ele tinha se tornado o ‘Jurista da Coroa do Terceiro Reich”18.
É na obra Teologia política (1922) - uma das que tiveram maior repercussão -
que Schmitt expõe de forma concreta sua teoria decisionista da soberania, ao
definir o soberano como aquele que “decide sobre o Estado de exceção”, ou seja,
pautado no “conceito de soberania como um conceito-limite... que não se encaixa
num caso normal”19. O caso-limite é para Schmitt uma situação extrema, de perigo,
onde a decisão passa de uma existência possível à realidade. Nesse caso, a decisão
sobre o estado de exceção é tida como portadora de um sentido existencial superior
ao da vida quotidiana:
“A existência do Estado mantém... uma indubitável superioridade sobre
a validade da norma jurídica. A decisão liberta-se de qualquer ligação
normativa e torna-se, num certo sentido, absoluta.”20
15 SCHMITT, La dictadura, p. 260.
16 Consultar: CARL SCHMITT: trajetória política e idéias. In: Dicionário crítico do pensamento da
direita. Rio de Janeiro: Tempo/ Faperj/ Mauad, 2000, p. 410.
17 WOLIN, Carl Schimitt..., p. 63.
18 WOLIN, Carl Schimitt..., p. 64.
19 SCHMITT, Carl. Teologia política. In: __________. A crise da democracia parlamentar. Tradução de
Inês Lobhauer. São Paulo: Scritta, 1996, p. 87.
20 SCHMITT, Teologia política, p. 92.
Sæculum - REVISTA DE HISTÓRIA [12]; João Pessoa, jan./ jun. 2005. 81
Em outras palavras, o estado de exceção representa em Schmitt a promessa de
uma transformação existencial da vida [a qual para ele estava isolada na rotina
quotidiana], sua elevação para um ponto mais alto. Para que isso ocorresse toda
norma deveria ser destruída uma vez que representava o reinado do “conceitual”,
do “abstrato”, do “ordinário”, onde a substância da vida e seu impulso não
conseguiam emergir. Daí Schmitt definir imperativamente que
“a exceção é mais interessante que o caso normal. O normal não prova
nada; a exceção prova tudo; ela não só confirma a regra, mas a própria
regra só vive da exceção. Na exceção, a força da vida real rompe a
crosta de uma mecânica cristalizada na repetição.”21
Nesse caso, o soberano desempenharia um papel importante pois decidiria “não
só pela existência do Estado emergencial extremo”, mas também sobre o que deveria
ser feito para “eliminá-lo”. De uma forma específica, o soberano mesmo se situando
“externamente à ordem legal vigente” pertenceria a ela pois estaria incumbido de
“decidir sobre a suspensão total da Constituição”22. Deste modo, com força e sem
ambigüidade a decisão estaria revestida de uma realidade existencial superior.
Em resumo, segundo Richard Wolin “a filosofia política de Schmitt em sua
maturidade é um decisionismo existencial, que se distancia cada vez mais do tribunal
da razão a fim de poder proclamar impunemente verdades existenciais de uma
ordem superior”23.
Carl Schmitt afirma que o Estado de exceção é adequado para a definição
jurídica de soberania e que isso tem uma razão lógico-jurídica na medida em que
o considera como diverso da anarquia e do caos; no sentido jurídico a ordem
continuava subsistindo, embora mesmo não sendo “uma ordem jurídica”. Não se
poderia esquecer, que a existência do Estado representava, neste caso, “uma
indubitável superioridade sobre a norma jurídica” onde “a decisão liberta-se de
qualquer decisão normativa e torna-se... absoluta. No caso de exceção o Estado
suspende o direito em função de um... direito à autopreservação”24.
Ao considerar o Estado o “último árbitro” das questões, ao subordinar a
autonomia da esfera jurídica às “raisons d´État”, Schmitt retira à sociedade civil
toda independência, toda potencialidade de oposição, fato este que aparece em
sua crítica às instituições liberais. A idéia de ordem aliada ao pressuposto de que
ao soberano cabe tal feito (pois é ele quem detém o monopólio da última decisão)
é o ponto crucial nesta sua argumentação25.
É importante não deixar de mencionar também que uma das idéias centrais em
sua Teologia política é que todos os conceitos da moderna doutrina de Estado são
21 SCHMITT, Teologia política, p. 94.
22 SCHMITT, Teologia política, p. 88.
23 WOLIN, Carl Schimitt..., p. 65.
24 SCHMITT, Teologia política, p. 92.
25 Daí sustentar que “o caso de exceção revela... a essência da autoridade estatal. Nesse caso, a
decisão distingue-se da norma jurídica e (formulando-a paradoxalmente) a autoridade prova que,
para criar a justiça, ela não precisa ter justiça”.
82 Sæculum - REVISTA DE HISTÓRIA [12]; João Pessoa, jan./ jun. 2005.
conceitos teológicos secularizados, na medida em que são produtos da sua “evolução
histórica, por terem sido transferidos da teologia à doutrina do Estado, na qual, por
exemplo, o Deus todo-poderoso tornou-se um legislador onipresente, mas também
[de] sua estrutura sistemática”. Em outros termos:
“Para a jurisprudência, o Estado de exceção possui um significado
análogo ao do milagre para a teologia. Só com a consciência dessa
situação consegue-se compreender o rumo da evolução das idéias da
filosofia do Estado nos últimos séculos.”26
Por essa razão, um de seus objetivos principais era reintroduzir um elemento
“particular, pessoal e forte” na política moderna, o qual havia, em sua ótica, caído
no esquecimento com o “eclipse do absolutismo político”. Daí sua insistência em
relação ao aspecto personalizado da exceção [excepcional], onde esta exerceria,
na política moderna, um papel comparável ao milagre na religião, como observamos
acima. Assim, a utilização de conceitos teológicos por Schmitt no campo da política
não visa outra coisa senão o fortalecimento do político como éter vital do estado
de exceção e o qual ocorreria somente através da ação de um soberano carismático
que equivalesse ao monarca de direito divino da época absolutista27.
O princípio de aplicação política da analogia, que está presente em seu
pensamento é fruto de uma herança dos contra-revolucionários De Bonald, De
Maistre e Donoso Cortés, o que é patente na medida em que define o Estado como
um “Deus ex machina” e ao lembrar que a “onipotência” do legislador moderno
não havia sido “extraída da teologia só verbalmente”.
Só se compreende a influência dos autores contra-revolucionários no pensamento
de Carl Schmitt na medida em que visualizamos o cerne da objeção dos mesmos
ao mundo secularizado. Podemos dizer que tal objeção desenvolve-se contra a
perda de poder efetivo, depois do século XVII, dos dois pilares do Estado absolutista
- Deus e o Soberano - que gozavam de uma posição de supremacia na sociedade.
Pilares que seriam considerados mais fracos ainda pelas doutrinas secularizantes
dos séculos XVIII e XIX, nas quais a idéia de Deus é suplantada pela do “homem”
e a majestade do soberano é destituída e substituída pela noção de soberania
popular. A conseqüência imediata disso, segundo o próprio Schmitt, foi que o
elemento decisionista e personalista da noção de soberania, que vigorava até o
momento (na pessoa do soberano) perdeu o efeito. Portanto, a partir daí tratava-se
do prevalecimento do ateísmo, da desordem, em detrimento das virtudes
transcendentes, do sentimento religioso tradicional de fundo católico.
O ponto principal da relação de Schmitt com o pensamento dos contrarevolucionários
diz respeito ao aspecto da decisão presente na filosofia do Estado
elaborada por eles. Segundo ele,
“o que a filosofia do Estado contra-revolucionária mais destaca é a
consciência de que a época exigia uma decisão; com uma energia levada
26 SCHMITT, Teologia política, p. 93.
27 WOLIN, Carl Schimitt...
Sæculum - REVISTA DE HISTÓRIA [12]; João Pessoa, jan./ jun. 2005. 83
ao extremo entre as duas revoluções de 1789 e 1848, o conceito de
decisão passou a ocupar o centro de seus pensamentos. Em todos os
lugares em que a filosofia católica do século XIX se expressou... ela
expressou o pensamento da imposição de uma nova alternativa, que
não admitia mediações...” 28
Em outras palavras, o mérito dos católicos decorria do fato de terem combatido
a situação e de não recuarem diante da necessidade de tirar uma conclusão lógica
dela, que se resumia na efetivação da ditadura como salvadora do mundo, de um
“humanismo secular” próprio daquela era considerada “sem Deus”.
A plausibilidade do conceito de decisão em Schmitt advém ainda do pensamento
de Joseph De Maistre - “o qual fala com entusiasmo da soberania, que para ele
significa essencialmente decisão” 29 - até chegar a Juan Donoso Cortés. Segundo
Schmitt este defendia que o homem era mal e pecador por natureza, de modo que
a vitória do mal era óbvia e natural e só um milagre conseguiria afastá-la. Esta
idéia, aliada à batalha iniciada em fins do século XVIII [contra a Revolução
Francesa] e desenvolvida durante o século XIX pautada no embate entre catolicismo
versus ateísmo não era considerada apenas mais uma na história, mas sim o
Armagedon, o fim dos tempos. Isso leva Donoso Cortés a compreender a ditadura
como uma necessidade política e também teológica pois, para ele, o que estava
em questão era a “salvação da humanidade”.
Para Karl Löwith, o fato de Donoso Cortés, “ainda que piedoso católico”,
submeter suas próprias decisões ao Papa, em última análise, não agradava Schmitt.
Entretanto, via nisto a importância histórica de Donoso como um homem de Estado
que, tendo tomado conhecimento de que o tempo dos reis soberanos havia chegado
ao fim, intensificou o “decisionismo” chegando à conseqüência radical de uma
ditadura política. Ainda para Löwith, “quando Schmitt diz que a essência do Estado
se concentra necessariamente numa decisão absoluta, ‘tomada a partir do nada’ e
que se justifica por si mesma, ele a caracteriza, de acordo com sua proposição, mas
não de acordo com Donoso Cortés que, como cristão, tinha fé que somente Deus e
jamais o homem poderia criar alguma coisa a partir do nada”. Portanto, para Löwith,
“este nihilismo ativo é, sobretudo, próprio à Schmitt e à seus irmãos espirituais
alemães do século XX. Donoso teria visto, sem dúvida, na decisão criada ex nihilo,
um ato cômico horrível”30.
Por fim, a conclusão à qual Karl Löwith chega é a de que
“a decisão [em Schmitt] para o político não é - como no caso de uma
decisão religiosa, metafísica ou moral ou, em geral, toda decisão
28 SCHMITT, Teologia política, p. 121.
29 Para De Maistre o Estado demonstra seu valor na medida em que apresenta uma decisão e a Igreja
o seu na medida em que sua decisão é definitiva, inapelável. Deste modo, “a infalibilidade é para
ele (De Maistre) a essência da decisão inapelável, e a infalibilidade da ordem espiritual possui a
mesma essência da soberania da ordem do Estado”. SCHMITT, Teologia política, p. 122.
30 LÖWITH, Karl. Le décisionisme (occasionnel) de Carl Schmitt. Revue Les Temps Modernes, Paris,
n.544, nov. 1991, p.24.
84 Sæculum - REVISTA DE HISTÓRIA [12]; João Pessoa, jan./ jun. 2005.
espiritual - , uma decisão por um campo de atuação [um domínio]
determinado ou determinante, mas, não outra coisa que uma decisão
pela decisão – pouco importa porque – porque de qualquer forma, ela
é a essência do político.”31
Decisão que seria tomada em caso de extrema urgência, a exemplo, numa guerra
que exigisse do homem o “sacrifício de sua vida” pela nação onde,
conseqüentemente o status político se tornasse determinante sobre o povo.
O significado atual dos pensadores contra-revolucionários para Schmitt está,
de modo particular, “na conseqüência com que decidem”, tanto que a questão da
legitimidade pouco importa a ele. Devemos destacar aqui, com Richard Wolin,
que isto não provém de uma “convicção íntima”, mas, necessariamente, da lógica
inerente à seu pensamento político, onde o maior peso recai sobre uma “decisão
produzida do nada” excluindo, categoricamente, tudo o que diz respeito a uma
determinada ordem legítima32.
A crítica à democracia parlamentar
No ambiente político de Weimar o jurista Carl Schmitt concentra sua crítica ao
liberalismo, tem-no como o cerne de sua objeção ao parlamentarismo moderno e
propõe a recuperação do conceito de soberania (sob a ótica da exceção) como
ordenador da política e da sociedade.
Em sua obra A situação intelectual do sistema parlamentar atual enfatiza a idéia
de que os elementos indicativos do sistema parlamentar como a “discussão” e a
“publicidade” haviam perdido o sentido próprio transformando-se em ornamentos,
o que era uma conseqüência de uma democracia de massas na em que as
organizações partidárias haviam se transformado em máquinas eleitorais e seus
parlamentos em palcos de barganhas de interesses. Tal quadro era, a seu ver, sinal
de uma crise intelectual do sistema parlamentar, uma crise de bases filosóficas que
comprometia decisivamente a integridade do modelo33. Diz ele:
“O fato de a crença na publicidade e na discussão parecer hoje obsoleta,
também me aterroriza; ... eu não vejo como o sistema parlamentar atual
deveria encontrar suas novas bases se os princípios da discussão e da
publicidade deixaram de existir. (...) Todas as disposições e normas
parlamentaristas específicas só passam a ter sentido por meio destes
princípios. Isso pode ser dito sobretudo do princípio constitucional
ainda hoje reconhecido oficialmente, mesmo que praticamente
desacreditado, de que o parlamentar depende de seus eleitores e de
seu partido; pode ser dito das prescrições sobre a liberdade de expressão
e a imunidade parlamentar, a transparência das discussões no
31 LÖWITH, Le décisionisme..., p. 25.
32 WOLIN, Carl Schimitt..., p. 70.
33 ARAÚJO, Cícero. Apresentação. In: SCHMITT, Carl. A crise da democracia...
Sæculum - REVISTA DE HISTÓRIA [12]; João Pessoa, jan./ jun. 2005. 85
Parlamento, etc. Essas prescrições tornam-se incompreensíveis quando
o princípio de discussão pública não possui mais credibilidade.”34
Nesta crítica considera que o fato de o liberalismo ter compactuado com os
sistemas parlamentares e ter feito da indecisão uma virtude da política contribuiria,
inevitavelmente, para que a exceção ocorresse às escondidas, por obra de forças
não definidas como poderes constitucionais, daí justificar imperativamente sua
visão nos seguintes termos:
“Pois se o Estado formalmente constituído toma como princípio de
ação atingir, pela discussão, um patamar ideal de consenso ou acomodar
os mais variados interesses, em detrimento de sua capacidade de
decisão, outros agentes passam a decidir em seu lugar: ... as tais forças
de mercado, os múltiplos interesses corporativos, etc.”35
Portanto, se para Schmitt o liberalismo em sua essência subvertia o direito do
povo à autodeterminação e com isso grupos de interesses dos mais diferentes
utilizavam as instituições em benefício próprio [embora Schmitt jamais tenha
reconhecido valor à autonomia na discussão enquanto tal, pois a tinha como um
entrave à aplicação eficaz da decisão soberana], ele entende que o mesmo
[liberalismo] perde sua validade como princípio político para o mundo moderno e,
portanto, deve ser substituído com urgência. Em outros termos, a “lógica de seu
raciocínio desenvolve-se sem falhas para resultar na noção de ditadura plebiscitária”,
onde, por exemplo, o povo alemão poderia ter a condição e o poder de escolher
diretamente o seu governante.
É possível perceber que em Schmitt a crença no sistema parlamentar, num
governo de discussão, pertencia ao mundo intelectual do liberalismo e não à
democracia como regime:
“Liberalismo e a democracia devem ser separados, para que se
reconheça a imagem heterogeneamente montada que constitui a
moderna democracia de classes.”36
Em síntese, lembra Bernardo Ferreira,
“a sua polêmica com o liberalismo estava dirigida contra os princípios
em que, ao seu ver, se baseava na organização jurídico-política da
Alemanha de Weimar: o parlamentarismo e o Estado de direito. Tanto
num quanto no outro caso, o reconhecimento dos conflitos inerentes à
existência política cedia lugar ao ideal de uma ordem auto-regulada:
no parlamentarismo, através da transformação da decisão política no
resultado final do confronto público de argumentos racionais; no Estado
34 SCHMITT, Carl. A situação intelectual do sistema parlamentar atual. In: _________. A crise da
democracia..., p. 04-05.
35 ARAÚJO, Apresentação, p. 12.
36 SCHMITT, A situação intelectual..., p. 10.
86 Sæculum - REVISTA DE HISTÓRIA [12]; João Pessoa, jan./ jun. 2005.
de direito, pela subsunção do conjunto da vida política a um sistema
fechado de normas gerais e abstratas.”
Por essa razão ele entende que com as modernas democracias de massa os
princípios de publicidade e discussão (presentes no parlamentarismo) perdiam o
efeito. “A tendência de interpretação das esferas do Estado e da Sociedade tornava
inadequado o ideal do constitucionalismo liberal de limitação do poder do Estado”37,
daí defender o exercício dos poderes de exceção pelo presidente do Reich.
De modo mais preciso, para ele a sociedade estava passando por três crises: a
da democracia (pois “na democracia só existe a igualdade dos iguais e a vontade
daqueles que pertencem aos iguais”); a crise do Estado moderno (que “consiste na
incapacidade da democracia humana e de massas de construir qualquer forma de
Estado e muito menos um Estado democrático”), e a crise do sistema parlamentar
que “consiste no fato de a democracia e o liberalismo terem se interligado por
algum tempo”. Para Schmitt, o bolchevismo e o fascismo eram antiliberais mas
“não necessariamente antidemocráticos” de modo que mesmo eliminando-os não
se superaria a crise do sistema parlamentar já que era produto de um contraste
“insuperável em sua profundidade, entre a consciência liberal do homem como
indivíduo e a homogeneidade democrática”38. Neste caso, o que estava por trás de
sua argumentação eram as premissas conceituais e jurídicas que serviriam de
base ao Estado Total na Alemanha. Ao desqualificar as instituições liberais,
principalmente as que garantiam os direitos individuais, Schmitt também
desconsidera o indivíduo como referência para sua teoria política e o Estado passa
a ser, inevitavelmente, descrito como única encarnação da verdadeira autoridade.
Por outro lado, de acordo com Wolin, esta idéia de Schmitt não é expressão da
realidade, pois não podemos dizer que o Estado é a única encarnação do Direito
“já que o conceito de direito perde todo o seu sentido numa situação onde a virtude
principal do soberano é a capacidade de formular decisões sem levar em conta
nenhum precedente normativo ou jurídico”39.
O político e a homogeneidade
Durante o regime nazista o conceito de homogeneidade “democrática” em
Schmitt daria lugar ao conceito do nacional-socialismo de homogeneidade racial.
No prefácio à segunda edição de A situação intelectual do sistema parlamentar
atual (1926) Schmitt afirma que na verdadeira democracia estaria implícito que
não só o igual deveria ser “tratado igualmente”, mas também, e como “conseqüência
inevitável, o não igual” deveria ser “tratado de modo diferente”. Em primeiro lugar,
a democracia deveria ter “homogeneidade” e, em segundo, se fosse preciso, “eliminar
37 Consultar: CARL SCHMITT: trajetória política e idéias. In: Dicionário crítico do pensamento da
direita, p.410.
38 CARL SCHMITT: trajetória política e idéias. In: Dicionário crítico do pensamento da direita, p. 26.
Daí deriva sua idéia de que nos grupos sociais que se organizam de forma democrática o “povo”
só existe de forma abstrata, pois as massas são, na realidade, heterogêneas.
39 WOLIN, Carl Schimitt..., p. 73.
Sæculum - REVISTA DE HISTÓRIA [12]; João Pessoa, jan./ jun. 2005. 87
ou aniquilar o heterogêneo”, ou seja, o “indivíduo”. Em razão disso, no pensamento
schmittiano a força política de uma democracia se evidenciaria na medida em
que ela mantivesse “à distância” ou afastasse tudo o que fosse “estranho e diferente”
ou que, a seu ver, representasse uma “ameaça à homogeneidade”. Daí concluir
que não se tratava “no caso da igualdade, de uma brincadeira abstrata, lógicoaritmética,
mas sim da própria substância da igualdade” que poderia ser encontrada
em “qualidades físicas e morais” como, por exemplo, nas do povo alemão. Portanto,
para ele, já desde o século XIX a democracia se constitui “sobretudo da
nacionalidade de um país em particular, da sua homogeneidade nacional” de forma
que a igualdade só era “politicamente interessante e valiosa” na medida em que
possuísse “uma substância, contendo... pelo menos a possibilidade e o risco de
uma desigualdade”40.
A erradicação do heterogêneo, do diferente, seria colocada de forma mais clara
por Schmitt um ano mais tarde na obra O conceito do Político (1927), a partir das
discussões a propósito da noção de amigo-inimigo, também central em seu
pensamento.
O historiador Nicolas Tertulian também dedica algumas palavras sobre esta
questão. Para ele,
“os princípios liberais da liberdade individual, do contrato e da
concorrência, sancionam o pluralismo e a heterogeneidade das
formações associativas, o que leva à decomposição da unidade e da
homogeneidade do tecido social, que são, aos olhos de Schmitt, o
fundamento da ‘democracia’ (na concepção particular que ele atribui a
este conceito).”
Portanto, partindo da idéia de uma democracia fundada sobre a
“homogeneidade” do corpo social, sobre a “identidade entre governantes e
governados”, Schmitt nega “à uma sociedade politicamente pluralista, expressão
de uma multiplicidade e de uma heterogeneidade de forças sociais, a qualidade de
democrática”!41
Por outro lado, para Schmitt o que merece maior atenção no pensamento
democrático não é a sua identificação com a vontade do povo, mas sim os termos
práticos forjados para esta identificação, ou seja,
“os meios para moldar o controle do povo, que são: força militar e
política, propaganda, domínio sobre a opinião pública por meio da
imprensa, organizações partidárias, reuniões, educação do povo,
escolas. A força política chega mesmo a formar, primeiro, a própria
vontade do povo da qual ela deveria emanar.”42
40 SCHMITT, A situação intelectual..., p.10.
41TERTULIAN, Nicolas. Carl Schmitt entre catholicisme et national-socialisme. Revue Les Temps
Modernes, Paris, n.589, août-sept. 1996, p. 134-136.
42 SCHMITT, A situação intelectual..., p. 29.
88 Sæculum - REVISTA DE HISTÓRIA [12]; João Pessoa, jan./ jun. 2005.
O que se observa neste ponto é a concepção do regime democrático não em
termos efetivamente democráticos, mas ditatoriais. Note-se que os meios a serem
utilizados para moldar a vontade do povo não são muito diversos dos empregados
nos regimes políticos autoritários e totalitários no período da Segunda Guerra
Mundial e mesmo posteriormente, inclusive no Brasil.
Outra questão decisiva em Schmitt refere-se à sua conceituação que traz à
tona o esvaziamento do sentido do político como conseqüência da falta de um
espaço autônomo de decisão sobre os critérios do agir político. De fato, a concepção
desta perda de autonomia o conduz a elaborar sua tese de acordo com a qual “a
legitimidade política na democracia de massa não se basearia mais em valores
principais, senão única e exclusivamente na legalidade formal do procedimento”43,
ou seja, numa decisão justificada, ditadura!
Já em 1927 estabelece as bases conceituais de um pensamento que teria frutos
durante o governo nazista. Em oposição às formas de neutralização do conflito
político defendidas pelo liberalismo Schmitt supunha a natureza conflituosa como
constitutiva da vida política, o que redundaria na idéia de que “o político supõe um
grau de associação/ dissociação entre os grupos políticos cuja intensidade resulta
na distinção entre amigo-inimigo”, mencionada anteriormente. Assim, para ele
“quando um povo existe na esfera do político ele precisa... determinar
por si mesmo a diferenciação de amigo e inimigo. Aí se encontra a
essência de sua existência política. Se ele não tem mais a capacidade
ou a vontade para esta diferenciação, ele cessa de existir
politicamente.”44
A idéia segundo a qual o inimigo político é um inimigo público e contra o qual
não é necessário ter ódio ou antipatia privada, também é própria de Schmitt.
Estritamente, considera-o “um conjunto de homens... segundo a possibilidade real,
combatente, que se contrapõe a um conjunto semelhante. Inimigo é apenas o inimigo
público”45.
Como se observa, tal ou qual pessoa torna-se inimigo em função de uma situação
concreta em que o adversário é reconhecido como alguém potencialmente capaz
de colocar em perigo a ordem pública, coletiva, de modo que contra tal indivíduo,
ou grupo de indivíduos, existe a possibilidade extrema de uma guerra, a qual,
segundo ele, “não precisa ser algo cotidiano... nem... algo ideal ou desejável, contudo
precisa permanecer presente como possibilidade real, enquanto o conceito de
inimigo tiver sentido”46, ou seja, a guerra assume a condição de situação limite
que revela se a nação possui ou não valor substancial. Enfim, a importância atribuída
por Schmitt ao político é por definição antiuniversalista; é dividida (amigo-inimigo)
e irredutível a esquemas normativos. Para ele, a unidade política não poderia ser
universal “no sentido de uma unidade englobando toda a humanidade e toda a
43 FLICKINGER, Apresentação, p. 26.
44 SCHMITT, O conceito do político, p. 76.
45 SCHMITT, O conceito do político, p. 55.
46 SCHMITT, O conceito do político, p. 59.
Sæculum - REVISTA DE HISTÓRIA [12]; João Pessoa, jan./ jun. 2005. 89
terra”, pois se tal ocorresse (o que levaria à extinção da diferenciação amigoinimigo)
“não existiria mais nem política e nem Estado”47.
Tratar da essência do conceito do político de forma a reduzí-la às relações entre
amigo-inimigo é pautar a análise por um ponto de vista, no mínimo, superficial,
adverte o filósofo alemão Jürgen Habermas. Em sua visão, o que coloca em cheque
a concepção de Estado constitucional-democrático é, antes de tudo, a perspectiva
teológico-política presente no pensamento de Schmitt, onde todo conceito
secularizado de política é rejeitado e, do mesmo modo, a idéia de um procedimento
democrático como base de legitimação do direito.
Em Schmitt,”a democracia, privada de seu elemento central, a discussão,
reduz-se a uma pura e simples aclamação das massas reunidas. Ao
pluralismo social ela [a teologia política] opõe o mito da unidade
nacional inata. O universalismo dos direitos do homem e da moral
humanista é, por outro lado, denunciado como uma hipocrisia
criminosa.”48
Estado total
Não podemos deixar de mencionar que a sua crítica ao regime liberal repousa
sobre bases cristãs-católicas. Em primeiro lugar, pelo fato de considerar que o
liberalismo não construiu nenhuma teoria positiva do Estado, mas sim procurou
“prender o político e subordiná-lo ao econômico” fundando, deste modo, as bases
de uma doutrina de “divisão e do equilíbrio dos ‘poderes’, isto é, um sistema de
obstáculos e controles de Estado que não se pode designar como teoria do Estado
ou princípio de construção política”. Entretanto, Schmitt ressalta que “todas as
autênticas teorias políticas pressupõem o homem ‘mau’,... como um ser dinâmico
e perigoso e jamais não-problemático”, ao contrário do liberalismo. Isto se
evidenciaria nas construções de pensadores políticos como “Maquiavel, Hobbes,
Bossuet, Fichte ... de Maistre, Donoso Cortés” 49.
Em segundo lugar, considerando-se que a esfera do político, em última análise,
é determinada “pela possibilidade real do inimigo”, Schmitt entende que um
raciocínio otimista da natureza do homem conduziria à abolição da lógica política.
Este pensamento funda-se a partir do nexo das teorias políticas que pautam-se em
dogmas teológicos a respeito do pecado50, a partir de suas aproximações teóricas,
ou seja,
47 WOLIN, Carl Schimitt..., p. 76-80. Ainda segundo este autor, em Schmitt “a ‘guerra’ é a última
‘condição limite’ existencial da política. Toda sua análise conduz, inevitavelmente, à justificação do
‘Estado Total’, cuja razão de ser é a eventualidade da guerra a qualquer instante. Daí o
prevalecimento da distinção amigo-inimigo em política”.
48 HABERMAS, Jürgen. Le besoin d’une continuité allemande: Carl Schmitt dans l’histoire des idées
politiques de la RFA. Revue Les Temps Modernes, Paris, n. 575, juin. 1994, p. 130.
49 SCHMITT, O conceito do político, p. 88.
50 MEIER, Heinrich. The lesson of Carl Schmitt: four chapiters on the distinction between political
theology and political philosophy. Chicago: Chicago Press, 1998.
90 Sæculum - REVISTA DE HISTÓRIA [12]; João Pessoa, jan./ jun. 2005.
“o dogma teológico fundamental da pecaminosidade do mundo e dos
homens conduz..., assim como a diferenciação de amigo-inimigo, a
uma repartição dos homens, a uma ‘tomada de distância’, e torna
impossível o otimismo indiferenciado de um conceito de homem de
validade universal.”51
Segundo os estudos de Nicolas Tertulian, esta concepção cristã do pecado
original, em que Schmitt se apóia, postula a graça divina como única via de
salvação e é dela que ele tira a conclusão de que o homem está impossibilitado de
chegar, por suas próprias forças, a um estado de paz e segurança. Na essência,
“uma tal antropologia pessimista é dirigida [por Schmitt] contra as ‘ilusões pacifistas’
sobre a possibilidade de suprimir a guerra ... e , de forma geral, contra a crença em
que uma normatização racional... fosse possível”52.
Segundo Heinrich Meier, quando Schmitt refere-se aos pensadores contrarevolucionários
ele quer dizer que “tal como um teólogo deixa de ser teólogo -
quando não considera mais que os homens são pecadores ou necessitados de
redenção e, por vez, não distingue o redimido do não redimido, o escolhido do não
escolhido -, o pensador político também deixa de sê-lo quando não estabelece a
distinção entre amigo-inimigo”. Neste caso, para Schmitt, um teólogo só pode tornarse
um teórico político quando percebe a relação entre ambas as distinções (não
pecador-pecador, amigo-inimigo) e estabelece a fronteira entre teologia e política,
elabora isto teoricamente e desenvolve de maneira prática, tal como os contrarevolucionários.
A hostilidade em relação à lei ou, mais exatamente, o princípio de que a
normatização jurídica dos conflitos sociais é impossível, é uma constante no
pensamento schmitiano. Como bem observa Tertulian, para o jurista alemão,
“o século XIX, com a introdução do constitucionalismo liberal,
caracterizado justamente pelo culto da ‘lei’ e pela ‘neutralização’ dos
verdadeiros fatores de decisão (a vontade soberana do monarca ou do
chanceler, no caso da Alemanha de Bismark) fora o berço do positivismo
e do normativismo jurídico.”53
Na ótica schmitiana, a verdadeira ‘legitimidade’ do poder executivo [a decisão]
fora, portanto, progressivamente substituída pelo culto da legalidade, o que seria
modificado somente pela vocação decisiva do Führer ou do líder, como no fascismo
italiano, em relação ao qual Schmitt foi muito simpático. Segundo Tertulian,
“a experiência do fascismo que reabilitava o ‘Estado Forte’, capaz de
impor, graças a seu ‘aparelho’, a vontade da coletividade nacional contra
os interesses divergentes dos diferentes grupos sociais, mereceu sua
aprovação, e ele concluiu por uma convergência entre ‘fascismo’ e
51 SCHMITT, O conceito do político, p. 91.
52 TERTULIAN, Carl Schmitt…, p. 135.
53 TERTULIAN, Carl Schmitt…, p. 143-144.
Sæculum - REVISTA DE HISTÓRIA [12]; João Pessoa, jan./ jun. 2005. 91
‘democracia’, em nome de suas supostas recusas comuns dos valores
da sociedade liberal.”54
A mesma questão é assinalada por Heinrich Méier, ao demonstrar que já na
década de 1920, Schmitt tem fé no “Stato Totalitário” de Mussolini de forma a
compreendê-lo como “o que decide soberanamente, o que é e o que não é político”.
Portanto, segundo Meier, Schmitt defendia um conceito de Estado totalitário que
consistia em “poder e força” ou em “qualidade e energia”, para um regime que
“forneceria, comandaria, os interesses de um todo” em detrimento dos interesses
particulares da sociedade. Neste caso específico o Estado não decide simplesmente
de uma forma neutra, mas sim como um Estado elevado (Terceiro Reich em
Schmitt), e é justamente nisto que reside a sua supremacia (a qual advém do
entusiasmo nacional, da energia individual de Mussolini, etc). O próprio Schmitt
não hesitaria, já em 1923, “em nomeá-lo como a principal força política que via
naquele momento” (a expressão da essência real do político)55.
Para Nicolas Tertulian, o engajamento de Schmitt pelo nazismo foi uma
decorrência natural da estrutura de seu pensamento, já bem desenvolvida na década
de 1920. O fio condutor de seus escritos neste período e na década de 1930 é a
polêmica desencadeada contra a ação do pensamento “técnico-econômico” sobre
a sociedade, ou seja, a concepção liberal do mundo, aquela que se impôs no século
XX, mas também o marxismo, cujo fundador considerou como “o grande clérigo
do pensamento econômico”. Isso vem confirmar o que dissemos anteriormente.Para
Heinrich Meier, a posição de Schmitt em relação ao caso específico da Igreja
frente a situação é bem clara. No caso de uma guerra, mesmo que ela estivesse
impossibilitada de declarar-se a favor de uma das partes, precisaria “tomar posição”,
tal como o fizera na primeira metade do século XIX onde apoiou os contrarevolucionários
Bonald, De Maistre e, posteriormente, Donoso Cortés.
É importante frisar que a relação de Schmitt com o catolicismo foi bem mais
próxima do que se imagina. Sua repulsa ao liberalismo e à democracia baseou-se
no fato de colocar em questão o que considerou como seus fundamentos históricoespirituais.
Como observou Tertulian, na obra de Schmitt, Catolicismo romano e
forma política (1923), é estabelecida uma oposição entre o
“mundo do capitalismo e do socialismo moderno, regido pelo espírito
do cálculo e pela hegemonia dos valores econômicos, e o mundo do
catolicismo, onde as idéias de representação, de autoridade e de
hierarquia, enraizadas na transcendência, têm seu poder constitutivo.”56
Nessa obra, como em outros escritos, Schmitt expressa uma condenação severa
também da modernidade, o que Tertulian considera como “romantismo
anticapitalista”. Romantismo que
54 TERTULIAN, Carl Schmitt…, p. 136.
55 MEIER, The Lesson of Carl Schmitt…, p. 137-143.
56 MEIER, The Lesson of Carl Schmitt…, p. 132.
92 Sæculum - REVISTA DE HISTÓRIA [12]; João Pessoa, jan./ jun. 2005.
“se exprime sem levar em consideração o achatamento de valores da
modernidade, sinônimo de desespiritualização e de transformação de
valores políticos em simples auxiliares dos valores econômicos; que
na nostalgia da verdadeira ‘política’... não se deixa seduzir pelo jogo
dos cálculos puramente materiais, mas é inspirada por uma ‘Idéia’ e
enraíza-se numa ‘transcendência’, de acordo com o exemplo do
catolicismo romano.”57
A questão do anti-semitismo no pensamento schmitiano foi objeto de vários
estudos, entre eles o de Jean-Luc Evard, onde aborda as aproximações e
distanciamentos que caracterizam as relações entre ele [Schmitt], Ernest Jünger e
Martin Heidegger, sob o Terceiro Reich e define que “os três escritores aproximamse
como membros de um laboratório para a gestação de conceitos comuns – a
‘decisão’, o ‘Estado’ e o ‘nihilismo”58.
Para Evard, em Schmitt o judeu é visto como um agente de subversão
substancialmente estranho [étranger] ao povo alemão. “Estranho às ciências
jurídicas, à Alemanha, ao Ocidente (ou seja, para Schmitt, à catolicidade: à Roma
como nome próprio e genérico da união das Igrejas cristãs-paulinas instituídas em
nome da ‘fé’ contra a ‘Lei”59. Em razão disso, compreende-se o porquê de sua
crítica ao parlamentarismo voltar-se contra teóricos do direito público - onde não
esquece jamais de sublinhar a posição dos mesmos como estranhos à “tradição
alemã”, já que são de origem judia (Kelsen, Laban...) - , e imputar à tradição
“judia” a responsabilidade de ter introduzido na teoria do direito os fermentos de
sua “decomposição liberal”.
Podemos considerar, com Richard Wolin, que
“os posicionamentos políticos de Schmitt têm como fundamento
reafirmar a dimensão carismática perdida na vida política do século
XX. Daí sua fascinação pela exceção como um tipo de caso limite
existencial, sua preocupação pela soberania da decisão e a sua
capacidade de restaurar o “élément personnel” em política, enfim, seu
interesse pelo irracionalismo do mito político.”60
Considerações finais
Segundo Roberto Romano, em Donoso Cortés
“o povo é existência fugaz que não possui estabilidade, logo não garante
nenhuma soberania. Sem esta última, não existe poder (soberano é o
que manda, lembremos esta definição dada por Donoso, estratégica
57 MEIER, The Lesson of Carl Schmitt…, p. 133.
58 ÉVARD, Jean-Luc. Les juifs de Carl Schmitt. Revue Les Temps Modernes, Paris, n. 596, nov.-déc.
1997, p. 53.
59 ÉVARD, Jean-Luc. Les juifs..., p. 74.
60 WOLIN, Carl Schimitt..., p. 75.
Sæculum - REVISTA DE HISTÓRIA [12]; João Pessoa, jan./ jun. 2005. 93
nas doutrinas sobre soberania no século XX, especialmente nas
jurisprudências próximas ao nazismo), e sem poder desaparecem os
vínculos sociais. Para o pensamento conservador, a soberania popular
é o perigo e o grande vício do liberalismo e das luzes democráticas.”61
A jurisprudência mais próxima ao nazismo da qual Romano fala se expressa
na figura de Carl Schmitt, que compactua com boa parte das idéias elaboradas
por Donoso Cortés, entre elas a que define o soberano como “aquele que decide
sobre o Estado de exceção”62.
Enfim, a questão que se afigura como atual é a retomada do interesse pelo
pensamento conservador, principalmente na Europa, coincidir com a “retomada
dos movimentos fascistas que já chegaram ao governo, por exemplo, na Itália”63, na
Áustria e, em grande ascendência, na Alemanha. Considerando-se que Carl Schmitt,
suas idéias e escritos recebem um interesse renovado é importante estarmos atentos.
Notória também é a ascendência de idéias desta natureza entre lideranças dos
Estados Unidos servirem para fundamentar uma política de “segurança nacional”
pautada na potencialidade da existência do inimigo permanente.
61 ROMANO, Roberto. O pensamento conservador. Revista de sociologia e política. Curitiba, n.3,
nov. 1994, p. 26. Este autor salienta que em Donoso o poder não deve ser pautado pela Constituição
pois “o governo das classes vencidas é o constitucional, o das vencedoras foi, é, será perpetuamente
a monarquia civil ou a ditadura militar. Nunca os povos obedeceram gostosamente alguém que
não fosse um ditador ou rei absoluto”.
62 SCHMITT, A situação intelectual..., p. 87.
63 SCHMITT, A situação intelectual..., p. 29.
94 Sæculum - REVISTA DE HISTÓRIA [12]; João Pessoa, jan./ jun. 2005.
RESUMO
Apresentaremos um esboço de alguns pontos
do pensamento do jurista alemão Carl
Schmitt, fundamentalmente no período da
República de Weimar e parte do regime
nazista. Será dada maior atenção à sua
relação com o conceito de decisão e como
tal conceito permeou seus escritos em torno
da crítica ao liberalismo/parlamentarismo de
Weimar; atentaremos ainda para sua defesa
da existência de um Estado Forte como
produto da inevitabilidade existencial, da
distinção social entre amigos-inimigos e de
uma homogeneidade racial e “democrática”,
idéias que serviram de esteio ao regime
nazista. Tomamos como base de análise as
seguintes obras suas em edições mais recentes:
A Ditadura 1921, Teologia Política 1922, A
Situação intelectual (espiritual) do sistema
parlamentar atual 1923 e O Conceito do
Político 1927. Objetivamos, com assim,
contribuir para uma reflexão mais atenta a
respeito de um certo “revisionismo schmitiano”
que busca, por todos os meios, apresentá-lo
como pensador democrático e minimizar sua
ligação com o regime nazista, no período de
1933 a 1936 quando esteve ligado ao partido
de Hitler. Com isso, se objetiva alertar para o
reavivamento de suas idéias de extrema
direita, sobretudo em países como Alemanha,
Áustria, Itália e, mais recentemente, nos
Estados Unidos. Na reflexão sobre pontos de
seu pensamento, nos apoiaremos nos escritos
de pensadores como Richard Wolin, Kal
Löwith, Nicolas Tertulian, Heinrich Meier,
Jean-Luc Evard, Jürgen Habermas e no Brasil,
Roberto Romano e Bernardo Ferreira.
Palavras-Chave: Exceção; Nazismo;
Intelectuais.
ABSTRACT
We are considering some points of the German
jurist Carl Schmitt’s thoughts, mainly during
the Weimar Republic and part of the Nazi
regime. We are drawing one’s attention to his
conception of decision and how this concept
is slow in his writings about the critics to
Weimar liberalism/ parliamentary regime; we
also considered his opinion of a strong state
as a result of the inevitable existence and social
difference between friends-enemies and its
racial and “democratic” homogeneity, the
Nazi regime was based on these ideas. We
analyzed the following newer edition of his
works: The Dictatorship 1921, Political
Theology 1922, The Intellectual (spiritual)
situation of the Parliamentary System
nowadays 1923 and The Concept of a
Politician 1927. Our aim is to contribute some
things to be thought about a “schmitian
revisionism” which leads people to think that
he was a democratic thinker and to ride, to a
certain extension, his connection with the Nazi
regime, from 1933 to 1936, when he
supported Hitler’s Political Party. There fore
we wish to revive his extreme right-wings
ideas, mainly in countries as Germany,
Austria, Italy, and more recently, in the USA.
We based our study about some points of the
Carl Schmitt thoughts on the works of:
Richard Wolin, Kal Löwith, Nicolas Tertulian,
Heinrich Meier, Jean-Luc Evard, Jürgen
Habermas and Brazil, Roberto Romano e
Bernardo Ferreira.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Francisco Campos e os fundamentos do constitucionalismo antiliberal no Brasil

Rogerio Dultra dos Santos

INTRODUÇÃO

O funcionamento oligárquico da Primeira República deu origem a propostas de centralização político-constitucional no Brasil. Em um país dividido pelas oligarquias regionais, justificadas por certa interpretação do federalismo de 1891, o elo comum era amarrar a idéia de autoridade à tradição, ao passado e à centralização da ordem imperial. Buscava-se uma civilização identificada com as instituições do Império e com a sua política. A literatura sobre o tema sedimenta o senso comum, que permanece: o termo autoritarismo é suficiente para classificar as doutrinas que orientavam a formação de modelos de Estado centralizadores no Brasil. Reproduz, inclusive, a própria nomenclatura dos autores considerados autoritários, para os quais o termo Estado autoritário representava a relevância da idéia de autoridade1.

O adjetivo autoritário deriva de instituições do Direito Privado romano, relativas ao termo auctoritatis. O sentido público da autoridade indicava, inicialmente, a figura do criador ou fundador da cidade, responsável pelo seu crescimento. O substantivo autoritarismo, por sua vez, supõe atualmente a utilização "distorcida" da idéia "legítima" de autoridade, na medida em que implica uma estrutura política excessivamente hierárquica que concentra, em demasia, o poder político, prescindindo de instituições liberal-democráticas ou opondo-se diretamente ao seu funcionamento (Arendt, 1972 [1954]:133 e ss.). Toda relação governante/governado sugere, a partir de então, autoridade, mando e obediência, legitimáveis ou não, pela anuência dos governados. O conseqüente conceito de Estado autoritário – derivado do pensamento liberal que cunhou o termo autoritarismo – é incapaz de definir, entretanto, o conteúdo ou a forma de determinada organização política. Em geral, o conceito serve para assinalar manifestações distintas do Estado liberal, limitando-se a identificar elementos de estados não-liberais. O adjetivo autoritário, em sua inconsistência conceitual, é marcadamente ideológico. Um número sensivelmente significativo de modelos políticos passa a ser classificado como integrante do conjunto de estados autoritários, sem a preocupação com as distinções relativas a cada modelo.

Ignorou-se a eclosão do constitucionalismo antiliberal no Brasil dos anos 1930. A sua classificação como autoritarismo tem contaminado sua devida compreensão, uma vez que ele opera por elementos sensivelmente distintos da crítica à Primeira República2. Talvez o equívoco da tradição, a qual vê no autoritarismo um conceito político suficientemente explicativo, tenha sido ignorar que o constitucionalismo antiliberal não se constitui somente como uma usina de críticas ao Estado liberal, mas pressupõe um modelo de Estado que pretende uma legitimação democrática distinta da representação parlamentar. Pode-se dizer que ele é, ao mesmo tempo: a) uma crítica ao direito, à política e às instituições liberais; b) uma aproximação constitucional vinculada à idéia de soberania como decisão personificada; c) um modelo de ordem democrática que se realiza pela mobilização irracional das massas por um César; e d) uma reorganização do Estado fundada na administrativização (burocratização) da legislação.

O constitucionalismo antiliberal deriva do antiliberalismo, mas não se confunde com ele. Uma forma de compreender o antiliberalismo é pelos fundamentos que postula à relação política de autoridade. Nos séculos XIX e XX, o liberalismo retira sua legitimidade ou da tradição, como em Walter Bagehot, Alexis de Tocqueville e Joaquim Nabuco; ou dos procedimentos racionais que instituem a representação, como em Hans Kelsen. Já o antiliberalismo, que vem da reação católica à Revolução Francesa (De Maistre, Bonald e Donoso Cortés), desenvolve, nos anos 1920, outro fundamento à autoridade. A representação política antiliberal – isto é, a relação entre povo e governo – pode se estabelecer tanto pela existência de corporações profissionais, como por uma elite esclarecida ou através do plebiscito. Nesses casos, o Estado restringe o parlamento às funções orçamentárias e/ou à legislação sobre princípios gerais, a serem regulamentados pelo Poder Executivo. Quando se fala de constitucionalismo antiliberal, o elemento distintivo é a possibilidade da suspensão do direito autorizada pelo próprio direito, o que significa que esse constitucionalismo legitima a existência das ditaduras. É deste modo que o Poder Executivo pode exercer a sua vontade livre de restrições jurídicas. Esta engenharia constitucional, que opera por instrumentos de exceção, justifica-se pela necessidade dos fatos e vale-se de um modo específico de legitimação democrática, colhido no pensamento antiliberal, a legitimação plebiscitária.

O jurista alemão Carl Schmitt (1888-1985) é o autor da teorização sistemática sobre o constitucionalismo antiliberal e funda-o na idéia de democracia substancial. Dados a sua influência e o seu grau de detalhamento técnico, o modelo schmittiano acabou por transformar-se no paradigma jurídico-constitucional das ditaduras ocidentais do século XX. A partir de Schmitt, a vaga conceituação de Estado autoritário é substituída por uma fórmula mais precisa. Ele desenvolveu uma doutrina cujo alvo foi a fraqueza constitucional do Estado democrático-liberal para o qual a Constituição de Weimar, de 1919, era o modelo clássico. Em seu livro Verfassunglehre (Teoria da Constituição) (1993 [1928]), Schmitt realizou um ataque analítico a cada instituição política de perfil liberal, sendo o seu modelo constitucional – que derivava das críticas a Weimar – recepcionado na Alemanha como a saída para a crise da democracia contemporânea, então ameaçada pelo comunismo soviético. Ele preconizava a representação como relação de identidade entre um determinado povo e seu líder, independentemente de intermediação institucional. O processo de governo pela opinião pública não acontecia através da discussão parlamentar. Solicitava uma identidade entre "dominadores e dominados", que se realizava através do processo de aclamação. A lei tornava-se um ato de vontade do líder, que procedia à regulação, por via administrativa, da vida ordinária. A democracia substancial, percebida pelo autor como um princípio jurídico-formal que significava unidade, era a materialização do poder de governo do Estado. O Estado democrático e antiliberal, "povo em situação de unidade política", distinguia-se de outras formas políticas por demandar homogeneidade nacional. A democracia substancial tornou possível uma ditadura na medida em que o escopo e a amplitude da atuação jurídica e política do ditador dependiam e se justificavam através de seu critério pessoal.

A especificidade do constitucionalismo antiliberal no Brasil sedimenta-se por correntes filosóficas e políticas distintas, reunidas pela repulsa à oligarquização da Primeira República. Duas grandes linhagens de crítica ao constitucionalismo liberal-republicano foram a formação doutrinária do castilhismo no Rio Grande do Sul e a idéia de Estado corporativo de Francisco José de Oliveira Vianna (1883-1951). O castilhismo era uma corrente política liderada por Júlio Prates de Castilhos (1860-1903) e inspirada no positivismo de Augusto Comte. No castilhismo destacava-se um programa político que tinha o objetivo de realizar a ordenação social do Estado de forma ditatorial. Distanciava-se de outras oligarquias regionais por instituir uma disciplina moral rígida para os integrantes do partido e um gérmen de burocracia organizada por regras estatuídas3. Berço político de Getúlio Vargas, o castilhismo influenciaria o estadista gaúcho na futura configuração do Estado Novo (1937-1945). Já o modelo de Estado corporativo de Oliveira Vianna é a base a partir da qual desenvolverá sua defesa do Estado Novo, respectivamente nos livros Problemas de Direito Corporativo (1938) e O Idealismo da Constituição (1939), em 2ª edição. Para Oliveira Vianna, os papéis de representação política e de relação entre Estado e sociedade são realizados pelo assento de representantes de classe junto aos órgãos do Estado. A representação classista é considerada por este autor mais legítima do que a representação parlamentar de cunho liberal. Nele, Vargas buscaria inspiração para a coordenação nacional de um programa de controle político das massas trabalhadoras através do corporativismo, isto é, dos conselhos profissionais e da construção da Justiça do Trabalho. A crítica ao federalismo de 1891 e a criação de alternativas centralizadoras de perfil antiliberal ajudaram a moldar as instituições que surgem da Constituição de 10 de novembro de 1937. Esta Carta opera uma ruptura com o que se chama, comumente, de tradição "autoritária"; instala uma ordem voltada para os problemas característicos de uma sociedade em processo de industrialização e agitada pelas movimentações operárias.

Entretanto, foi o jurista mineiro Francisco Luís da Silva Campos (1891-1968)4, redigindo a Constituição de 10 de novembro de 1937, que desenvolveu um modelo teórico-jurídico de constitucionalismo antiliberal, semelhante em escopo ao que pode ser extraído da Verfassunglehre (1993 [1928]) de Schmitt. A assunção das massas como um elemento central na organização do poder político e os instrumentos jurídicos análogos ao modelo schmittiano são as marcas fundamentais da Constituição de 1937 na organização jurídico-administrativa do regime. Campos realizará uma apreciação sociológica detalhada do advento da sociedade de massas. Mas não só: será também o responsável por sintetizar, em instituições, as aspirações políticas de Vargas; definirá as técnicas jurídico-constitucionais antiliberais implicadas na construção de um Executivo forte e absorvente (Leite e Júnior, 1983:293); as direcionará para a realização do novo modelo de Estado, modernizando o país.

Seja a percepção de Campos sobre o fenômeno político, seja a institucionalidade que derivou do seu diálogo com o castilhismo de Vargas e com o corporativismo de Oliveira Vianna, distinguiam-se ambas do "autoritarismo" embrionário de Alberto Torres, Plínio Salgado ou Alceu Amoroso Lima. Para estes, a finalidade de um regime político, isto é, a concentração da autoridade e a realização da ordem, é o que importava. Diferentemente destes autores, em Campos e Vianna, a legitimação democrática antiliberal – plebiscitária ou corporativa – aliava-se à necessidade de uma recomposição jurídica e estrutural do Estado.

Como futuro ministro do Estado Novo, Francisco Campos tinha a tarefa de reformar os instrumentos emergenciais até então utilizados com a autorização prévia do Congresso Nacional e a chancela das Forças Armadas, ampliando-lhes a abrangência. O estado de emergência, equiparado ao estado de guerra desde 1935, não sustentava o arranjo de forças que mantinha Vargas no poder. A justificativa para implantar uma nova ordem constitucional, despida dos limites liberais da Constituição de 1934, era uma necessidade política imperiosa. A ameaça extremista do comunismo, materializada pelo levante de 1935 e sedimentada pela farsa do Plano Cohen, já havia criado um clima de guerra civil. Como em uma ditadura romana, o Governo Provisório outorgava uma Constituição de gabinete a fim de permitir a utilização livre de meios excepcionais para preservar a ordem social. Mas, enquanto em Roma a magistratura ditatorial era "claramente definida em autorização, no escopo e na duração" (Neumann, 1957a:233, tradução do autor), Campos instituíra as bases de um sistema jurídico acabado que se fundava, extensivamente, nos poderes de uma Constituição orientada pelo estado de emergência. A sua legitimação far-se-ia através de uma confirmação plebiscitária que nunca aconteceu. A estabilidade do regime dependeu da intensa produção legislativa do Poder Executivo e do suporte popular à figura pessoal de Getúlio Vargas.

O objetivo deste estudo é reafirmar a influência desse constitucionalismo antiliberal no pensamento jurídico-político dos anos 1930 e comprovar que o Estado Novo foi uma organização política ligada aos pressupostos constitucionais do antiliberalismo de massas de Francisco Campos. Será privilegiada uma aproximação analítica à obra desse autor com o intuito de demonstrar que ele constrói uma teoria política acabada, baseando-se em uma filosofia da história decadentista e antiliberal. A sociologia desenvolvida pelo autor a fim de explicitar as aporias de sua época quer espelhar uma sociedade de massas em que a única possibilidade de realização da política é a mobilização emocional do mito. Para tanto, define as práticas plebiscitárias como instrumentos capazes de legitimar democraticamente o Estado Novo.



DEMOCRACIA LIBERAL X UNIDADE NACIONAL: O PROGRAMA AMERICANISTA DE CAMPOS NA PRIMEIRA REPÚBLICA

Em meados dos anos 1910, a nostalgia da tradição já está presente em Francisco Campos, ainda estudante e membro do Centro Acadêmico da Faculdade Livre de Direito de Belo Horizonte. No final do curso, ele tem a incumbência de proferir uma palestra junto à herma do falecido presidente Afonso Pena. Escreve, então fortemente influenciado por Euclides da Cunha, o pequeno texto "Democracia e Unidade Nacional" (1940b [1914]), antecipando argumentos importantes de Alberto Torres. Nesse texto, pode-se notar a precoce compreensão da problemática brasileira na interpretação americanista que faz da Primeira República. Buscando uma explanação que desnudasse a "solidariedade orgânica entre passado e presente", o autor volta-se para os fundamentos da República e sua relação com um Império que desabava "no meio da indiferença nacional". Entendendo como um ideal romântico o levantar do busto de Afonso Pena, encontra no aforismo de Ralph Waldo Emerson (1803-1882) o mote discursivo a partir do qual constrói seu argumento: "Toda instituição é a sombra alongada de um homem". A solução de Campos será a necessidade de assunção pública, pelo homem de lei, de seu papel civilizatório "sobre os instintos de perfectibilidade humana" (Campos, 1940b [1914]:3).

O americanismo de Campos resulta do fato de que, para o autor, a ordenação social deve evitar o "localismo dispersivo", o "espírito de paróquia", procurando se fazer por cima, pela compressão da lei, pelo Estado5. Seu modelo de civilização radica na recepção de um ponto de vista anglo-americano que não é o da Constituição da República de 1891, isto é, não diz respeito à descentralização, mas à unidade do poder político que, para ele, lhe falta. Coordenada na sua confecção por homens que têm origem em uma elite econômica e/ou representam uma cultura privada, a lei mascara, sob a ordem pública possível, uma ordem privada que muitos almejam. Para Campos, os últimos 50 anos do Império foram anos liberais. Na República, sem a unidade nacional proporcionada pela concentração de poder político – que "não permitia a tribos partidárias o privilégio dos órgãos representativos da nação" –, passou a imperar "a diferenciação da autoridade pelo triunfo das aspirações locais" (Campos, 1940b [1914]:7). A censura da desordem republicana nasce vinculada a uma condenação do processo de representação política. Este assume um caráter predominantemente local quando do fim do Império. Tal crítica revela a dissolução da produção econômica coordenada, situação em que a regulação das "aspirações locais" se torna necessária.

A Ameaça da Democracia Republicana e as Soluções da Tradição Imperial

Como o próprio título do discurso indica, Campos sustenta existir um contraste entre a essência da democracia e o princípio da unidade nacional. A tensão entre essas duas forças que orientam a organização social marca a construção de todo o argumento. Assim, ao espírito regionalista, separatista e individualista da democracia, ligado às idéias de liberdade e igualdade, ele contrapõe a necessidade de concentrar a autoridade: sua unidade e indivisibilidade aparecem como elementos capazes de preservar o princípio democrático, sem colocar em risco a tendência à harmonia nacional. A democracia será defendida como manifestação da vontade, do direito e da práxis das instituições, em um plano que garanta historicamente a "eficiência da ação no exercício do poder". Não será possível interpretar a democracia como instabilidade e conflito causados por um "regime de mudanças periódicas de governo", como aquele defeso pelo republicanismo democrático instalado no país (ibidem).

Assim, com a abolição de um regime político por um processo de acomodação informe e apático, o poder se refunda. Gerada por uma postura democrática que realiza uma incoerente "diferenciação da autoridade", a nova ordem tem, como resultado, a multiplicação dos órgãos da soberania nacional (ibidem). Campos estabelece, então, o fundamento da distinção entre modelos de democracia que estariam subjacentes à experiência histórica brasileira. Na transição do Império para a República, aponta o "enfraquecimento da unidade nacional". Isto se deu pela recepção não balanceada da doutrina democrática de Thomas Jefferson que se contrapõe ao "princípio hamiltoniano da concentração da autoridade nacional" (Campos, 1940b [1914]:8). O paralelo entre o federalismo de Jefferson e o unitarismo de Hamilton estará presente, nos primeiros anos da década de 1910, em Alberto Torres (1865-1917). Premida pela necessidade de um modelo político capaz de afrontar a força da metrópole inglesa, a recém-independente organização de Estados norte-americanos define a fórmula federalista através do famoso texto da "Declaração da Independência" (1776), assinado por Thomas Jefferson. Como estados livres, as colônias americanas teriam, por aquele documento, poder absoluto para declarar guerra, estabelecer a paz, fazer alianças, definir as regras de comércio e organizar suas leis (cf. Jefferson, 1952:3). Contra esse federalismo radical insurge-se o movimento pela constitucionalização, quando Alexander Hamilton, em "The Federalist" (1788), deixará claro que uma simples confederação é incapaz de sustentar a existência de uma união suficientemente forte para garantir a segurança e a prosperidade da nação contra uma "iminente anarquia" (Hamilton, Madison e Jay, 1952 [1788]:63, tradução do autor).

Como no processo de constitucionalização dos Estados Unidos da América, o Brasil deveria estancar o desenvolvimento do "princípio democrático da irresponsabilidade nacional". Para Campos, o "problema democrático" brasileiro resolver-se-ia pelo "governo dos legistas". Seu papel deveria ser o de "adaptar constantemente a construção legal dos textos às variações e às transformações de estrutura do organismo político, de sorte a [...] corrigir os vícios e os excessos do temperamento democrático" (Campos, 1940b [1914]:8-10). Desposando este argumento, ele se alinha à percepção sedimentada na Primeira República por conta das duras experiências ocorridas nos governos militares: as alterações no comando ou na dinâmica do poder político precisariam legitimar-se, invariavelmente, pela Constituição. Do mesmo modo, a interpretação constitucional deveria orientar-se pela "inspiração nacional". Ela neutralizaria e seria oposta aos "conflitos democráticos". A democracia representaria o princípio da unidade e da responsabilidade nacionais, colocando-se como um horizonte de sentido – "um plano histórico, de onde se possa dominar a evolução política dos povos" (cf. Faoro, 2000:197 e ss.).

O plano de Campos para dar conta do processo de unificação nacional através da atuação política dos juristas está vinculado à sua concepção de opinião pública. O autor mineiro refere-se à figura emblemática do presidente Afonso Pena para espelhar a transição pacífica do Império para a República. Ao mesmo tempo, demanda o reconhecimento de que a República, no que concerne à construção da estabilidade política, dependia diretamente da tradição dos estadistas do Império (Campos, 1940b [1914]:6)6. Surge a idéia de continuidade na composição espiritual de um elo entre este novo modelo de ordem pública e a sociedade civil que necessita de orientação. Esta continuidade seria harmônica, mesmo com a identificação de uma discrepância entre a tradição pacífica da unidade imperial e a organização problemática da democracia republicana. Falta à República um cimento social capaz de provocar a unidade nacional, já que se está diante de um presidencialismo fraco e, a princípio, condenado à dissolução. O problema consiste no que Oliveira Vianna chamaria, alguns poucos anos depois, de "idealismo da Constituição". Em Campos, o tema é claro e refere-se ao que ocorreu na Primeira República:

"A autoridade constitucional do poder central, insuficiente e mal delimitada, está sujeita a exercer-se violentamente contra os princípios legais da autonomia. De sorte que a nação, para defender as suas prerrogativas, começa a abandonar a constituição escrita, praticando infidelidades contra a letra e o espírito dos seus textos. E é o que nos acontece: um país em transformação acelerada, formando o seu caráter, e uma constituição morta, que nasceu inadaptável às condições orgânicas da nação" (idem:9).

Uma Constituição liberal, incapaz de lidar de forma segura com situações de exceção, mostrara-se um instrumento à mercê da violação pela prática parlamentar. Isto revelava, para o autor mineiro, a receita do desastre. Encontra-se aqui a filiação doutrinária de Campos aos argumentos de Euclides da Cunha, desenvolvidos posteriormente por Alberto Torres no Organização Nacional (1914) e n'O Problema Nacional Brasileiro (1914). Nestes livros, Torres sustenta a necessidade de fundar uma "solidariedade patriótica" que possibilite a união de interesses comuns. Seria o signo de uma sociabilidade desenvolvida na atenção aos problemas concretos de um país nascente. Nesse sentido, advoga uma opinião capaz de agregar os espíritos em torno de um programa nacional que escape à idealização do mundo intelectual. Este último encontrar-se-ia distante, no Brasil, dos problemas políticos e da ação pública propriamente dita: "inteligência híbrida, incapaz de procriar" (Torres, 1978a [1914]:84 e ss.).

Antecipando Alberto Torres: As Elites como Centro da Autoridade Pública

O programa americano, construído por Campos na recepção do elitismo/personalismo privatista de Emerson e na idéia de centralização de Madison, tem uma significação precisa para um autor como Alberto Torres. Escrevendo seus artigos pouco tempo depois de Campos, Torres considera que uma democracia como a instalada na nova República brasileira só pode ser tida como legítima se, ao governo das leis, somar-se um regime de opinião pública ativa, que expresse a vontade coletiva e influencie a conformação das instituições. A idéia de ver nos juristas o centro irradiador da opinião pública nacional está delineada. Se não aponta expressamente para esta classe de atores políticos, define como necessária a existência de um núcleo organizador daquela opinião. Assim, Torres argumenta, também em uma chave platônica, que "o mecanismo governamental, em todos os seus aparelhos, é não somente um núcleo de vida intelectual – em certos ramos, como na política, quase exclusivo – senão também o centro de onde saem, em grande parte, os recursos para a atividade cerebral do país" (Torres, 1978b [1914]:90). Advoga a necessidade de se conduzir a intelectualidade brasileira à gerência da coisa pública. Para ele, é desses homens que poderá surgir uma "verdadeira democracia representativa" (idem:92), e é através deles que o espírito nacional pode nascer e prosperar. Está corroborada a idéia de um Estado forte: ao se estabelecer contra a perspectiva liberal de limitação dos poderes públicos, poderá enfrentar com "autoridade" o papel "de desenvolver o indivíduo e de coordenar a sociedade" (idem:169 e ss.). No caso brasileiro, trata-se, especialmente, do combate à oligarquização do Estado.

O projeto de um modelo de civilização material, com laivos evolucionistas, representa um americanismo que legitima a participação burguesa no interior do Estado. Em Torres, como em Campos, a ordem social mantém-se "por simples tolerância costumeira". O núcleo da crise brasileira é o divórcio entre a política e a sociedade, isto é, o divórcio entre o público e o privado. Ele argumenta, então, que o conjunto de ações e pensamentos que orienta a vida política do país sofre de uma "estranha falta de adaptação do saber e do patriotismo às peculiaridades da terra e do povo brasileiro" (idem:113 e ss.). O objetivo de se realizar instituições políticas e jurídicas de caráter nacional é a preservação do interesse geral contra os interesses individuais somados. O Estado representa a unificação de vontades capaz de orientar uma ação coordenada, gerando a vida do país, ou seja, defendendo os indivíduos "contra os abusos do individualismo" (idem:123 e ss.). Sustenta, desta forma, uma restauração conservadora organizada pelas elites administrativas, "a formação artificial das nacionalidades, [...] da consciência nacional: a criação e o desenvolvimento, par en haut [pelo alto] – da inteligência para os hábitos, do raciocínio para os reflexos – do instinto de conservação e de progresso nacional" (ibidem).

A forma republicana e federativa do Estado brasileiro demonstra a necessidade operacional de um "governo jurídico", capaz de transformar a ordem social em segurança, liberdade e propriedade (Torres, 1978b [1914]:60 e ss.). É em Torres que se condensa a crítica à Constituição feita anteriormente por Campos. Nesses dois autores consolida-se um projeto americanista, que objetiva o progresso material pela coordenação jurisdicista das instituições públicas. Em Torres, a relação entre a força normativa da Constituição e a configuração política de uma opinião pública também será definida como uma observação de natureza sociológica. A adaptação constitucional à realidade brasileira se dá, igualmente, pela "plasticidade das formas jurídicas" – os intérpretes realizando o papel de trazer à lei o "espírito de seu tempo" (idem:87 e ss.).

Antecipando o argumento de Torres, Campos define o processo por meio do qual a opinião nacional deveria ser criada, acenando com sua promessa a justificação da função pública dos juristas. A saída aventada por Campos para vencer o idealismo brasileiro é a atividade política dos juristas na conformação hermenêutica da Constituição de 1891. Juízo que não se completa sem que as idéias de nação e unidade provoquem um estado emocional de mobilização, capaz de gerar uma particular "experiência nacional" (Campos, 1940b [1914]:11). Em primeiro lugar, o autor estabelece que uma experiência nacional só é possível quando homens de lei, respeitando a educação jurídica da universidade, mantiverem o vigor da Constituição em seus governos. A gênese de um "ideal nacional" é o remédio para a mobilização das instituições políticas. É o elemento central na consolidação do Estado republicano, já que sem a força do ideal, as instituições nascem mortas. Em segundo lugar, a experiência nacional sob um regime republicano e democrático depende da formação da opinião. Campos entende – como Torres o fará – que a democracia é "incoerente, heterogênea e individualista; regime de mudanças periódicas de governo, de renovações e substituições de princípios e de homens, não tem continuidade de ação nem unidade de plano e de convicções". As soluções para essa inconstância de interesses, com a qual é necessário conviver em uma democracia, são quatro:

"[...] a educação coletiva do povo pelas experiências nacionais; a mobilização das instituições pela força espontânea das massas populares; a compreensão e o exercício de um desígnio coletivo, que arraste a nação a experiências proveitosas, com que possa corrigir ou orientar a sua opinião; a liberdade dos órgãos operatórios da soberania nacional pela libertação e pela educação do voto" (ibidem).

O espírito nacional, o espírito do povo, deve ser criado com a mobilização das massas. A preocupação republicana de Campos é recuperar a unidade e a autoridade do Estado para combater as facções partidárias e a desagregação do federalismo. Quer fazer isto através da conciliação dos interesses nacionais. Ele deseja evitar tanto o despotismo quanto a anarquia. Para que isso aconteça, considera necessário que a força do processo representativo faça sucumbir imediatamente os corpos coletivos. Tais corporações seriam predispostas à concentração de poder econômico em associações locais, tendentes a estimular a corrupção administrativa em larga escala. Ante os instrumentos constitucionais insuficientes para o processo de organização do país, e para evitar a violência do Estado, "O futuro da democracia depende do futuro da autoridade" (Campos, 1940b [1914]:12). Note-se que o núcleo de seu conceito de democracia é a construção da unidade nacional. A sensibilidade da nação à autoridade política, que forma a unidade, vincula-se à sensibilidade das leis e de sua autoridade às massas que a acompanham.

O texto "Democracia e Unidade Nacional" representa uma fase de maturação intelectual de Francisco Campos. Apesar da mobilização das massas ser um fator fundamental na consolidação do espaço público nacional, é admissível a proximidade de seus argumentos ao americanismo de Alberto Torres. O pensamento político deste último, informado pelo mesmo elitismo de Campos, é geralmente situado no terreno do pensamento "autoritário". Campos, nesse momento, poderia sofrer do mesmo rótulo, não fosse a presença de uma incipiente avaliação da irracionalidade das massas. Essa aproximação diferenciada marcará a sua percepção política e social nos anos seguintes.

Conectada às suas observações da sociedade brasileira, Campos estabelece desde então uma crítica ao individualismo. Na composição do corpo político, o imperativo da participação coletiva é oposto às necessidades privadas. Uma realização pessoal realmente digna não pode ser privada. Isso esclarece a razão pela qual Campos argumenta que o indivíduo é "uma força original de transformações institucionais, que influi diretamente sobre as flutuações e as mudanças de plano no nível das sociedades" (Campos, 1940b [1914]:4). O estabelecimento do espírito nacional depende, para ele: da mobilização das opiniões, das virtudes, da educação política de líderes como Afonso Pena, e do desígnio coletivo das massas, expresso no processo de representação política. É possível sustentar então que, no seu escrito de 1914, Campos se alinha com uma interpretação orgânica da política. Ele vê, na situação periclitante da ordem republicana, a necessidade de um remédio político eficaz para salvar o organismo da doença liberal.

O Programa Americanista de Campos para a Primeira República

Em resumo, o elemento a ser destacado no discurso de Campos é a assunção de que o modelo de poder a ser esposado em um país tomado pelo federalismo é o da unificação do Estado a ser comandada do alto. Isto se faz através de uma elite jurídica imbuída do espírito (público) de interpretar a realidade nacional e vertê-la em instituições. A partir da capacidade centralizadora da tradição jurídica, é possível germinar uma cultura política de âmbito nacional e a conseqüente civilização das massas. O direito não serve à transformação da política, mas pode garantir, por sua plasticidade característica, eficácia à idéia de integridade nacional. No que concerne à sua percepção da Primeira República, é certo que Campos se opunha à fragmentação do poder político, em especial ao fracionamento do ideal de nacionalidade, que chamou de "patriotismo diferenciado". É o eco hegeliano de integração cultural na formação do Estado e a presença de um organicismo que remete à teoria do Estado de Bluntschli. Fica definida a função centralizadora do direito contra a desagregação de uma democracia individualista, vista como localismo interesseiro. Mais que uma reverência formal à lei – como sustenta Bonavides (1979:xvii) –, Campos compreende, em seu discurso, o sentido funcional e político do direito como o de estabilização e desenvolvimento da ordem social. Tal função é a de estabilização política e de agregação da sociedade – inclusive dos interesses econômicos – às instituições do Estado. Esta é a razão legítima do direito na criação de um Estado enquanto organismo.

No reforço de seu americanismo, isto é, na distinção entre uma democracia de perfil liberal e um princípio democrático ligado à idéia de nação que coordene o desenvolvimento da sociedade há, no texto "Democracia e Unidade Nacional", uma oposição entre duas formas do exercício da política. De um lado, o autor agrupa o liberalismo apaixonado e suas agitações partidárias de natureza impessoal. Este ficou temporariamente satisfeito com o suprimento de seus apetites e aspirações nas décadas finais do Império, para além de suas próprias expectativas. De outro, são fixadas a moderação e a virtude expressas na experiência do líder, na personalidade do estadista. Ele guia, por suas idéias, o aperfeiçoamento das instituições em direção ao futuro. Enquanto a incoerência e a mobilidade ("volatilidade") do liberalismo e de suas instituições remetem ao desequilíbrio e ao conflito, a continuidade da tradição e da severidade dos costumes políticos informa a conexão, a solidariedade "entre o passado e o futuro", possibilitando "a continuidade de ação e a proximidade de fins, que permitem às obras humanas durar e amadurecer" (Campos, 1940b [1914]:4). À fraqueza e à desagregação do individualismo liberal, Campos opõe o patrimônio social e moral derivado da personalidade.

O que ele sugere para resolver essa situação de conflito entre duas formas tão díspares de política, que representam as duas forças históricas da República, é a idéia americanista de conciliação. Como já visto anteriormente, a conciliação se dá na resolução do conflito entre Hamilton e Jefferson. Mas a questão, na Primeira República, é se essa conciliação, esse caminho do meio entre despotismo e anarquia, que foi o expediente apreendido da história da América do Norte, pode ser, no caso brasileiro, uma solução eqüidistante. Agravados "entre nós os inconvenientes do federalismo radical", cria-se, com a República, uma política ineficaz e fraca, pequena, em relação às dimensões continentais de um espírito nacional que deve ser formado (idem:9). Já nesse texto, um antiliberalismo embrionário desponta da sua crítica aos direitos, segundo a qual eles estimulariam a decadência moral dos Estados, pelo estímulo ao princípio de igualdade. Assim, subjaz à grande resposta do texto – que é o governo dos legistas –, a necessidade de zelar pela tradição, através da criação do espírito nacional, da autoridade. Apesar da argumentação de oposições apontar para uma dialética aparentemente equilibrada entre democracia liberal e autoridade nacional, entre a prática política da República e o espírito do Império, é com este último que Campos se alia no plano das idéias.

O texto tenta demonstrar que a democracia liberal é um mal necessário, uma armadilha da história a ser encarada com a naturalidade daqueles fatos políticos universais. Resta ao homem de ação, ao espírito fiel às tradições da monarquia, representado por Afonso Pena, interferir no novo tempo com suas virtudes, restabelecendo a ordem pedida. Campos considera a virtude cristalizada na ordem imperial como o elemento que permite a passagem do Império para a República, sem uma ruptura maior do que a própria mudança de regime político. A ordem imperial presente na República é o elemento que evita o rompimento histórico e concilia, conserva a tradição do passado nas novas instituições. A democracia liberal é esse movimento prenhe de energia vital, impulsionando a sociedade e as instituições para um novo tempo. Já a autoridade herdada do Império tem a responsabilidade de reprimir os "excessos do temperamento democrático". O objetivo do autor é atrelar à modernidade democrática a conservação da tradição e dos valores nacionais, vindos do império. O realismo de Campos é, desde cedo, o realismo dos feitos heróicos, em uma clara preferência ao governo dos sábios ou iniciados do que ao governo exclusivo das leis. O "grande homem" forjado no Império, visto como "patrimônio" institucional e nacional, é o que procura o autor como "símbolo humanista que é a base de todas as criações sociais" (idem:12).

A República reclama a tutela do passado. Campos deixa claro, entretanto, que a atuação das forças do Império não pode relacionar-se de forma passiva com a nova situação política. O Império deve organizar a República. Todo movimento de agitação e instabilidade da República, fundado nos princípios da democracia liberal é, para ele, uma ruptura com a tradição da unidade harmônica do poder. Sempre que há essa solução de continuidade, as anomalias democráticas eclodem: "suspensões periódicas do funcionamento constitucional", "crises de opinião", "múltiplos imperialismos locais", "a mais larga corrupção administrativa que se conhece" (idem). Descolado do passado, o horizonte de expectativa da democracia liberal é o despotismo ou a anarquia. É o espaço de experiência do passado que garante a possibilidade de o presente republicano esperar um futuro que se faça presente, transmudado em expectativa.



A SOCIOLOGIA DAS MASSAS E A CONFIGURAÇÃO CONSTITUCIONAL DO ESTADO NOVO

A interpretação realizada na parte anterior aponta para um autor que poderia ser classificado, não sem certa dificuldade, como "autoritário". A crítica de Francisco Campos à democracia liberal, o seu clamor pela autoridade nacional, o recurso à tradição dos legistas, todos estes fatores o aproximam de uma avaliação conservadora da Primeira República. É uma crítica que ataca a fragmentação do poder político pelo reforço da autoridade do Estado. A preocupação com as massas e a tensão temporal entre passado e futuro são idéias originais em relação às quais a classificação realizada pela tradição dos intérpretes brasileiros do "autoritarismo" torna-se problemática. Existe, para Campos, no texto "Democracia e Unidade Nacional", uma clara, embora incipiente, função estatal: a condução das massas por elementos irracionais. Assim, um dos objetivos desta parte é estabelecer em que medida é possível manter a classificação de autoritário; o outro é saber se ele, autor do arranjo constitucional que orienta a organização jurídica do regime estado-novista, pode ser considerado original em sua proposta de um constitucionalismo cesarista e plebiscitário de massas.

Uma Nova Filosofia da História: A Ruptura entre Passado e Futuro

Campos constrói o argumento da necessidade de um Estado antiliberal tendo como premissa básica o anacronismo das instituições da democracia liberal diante de uma sociedade de massas. É a partir desse ponto que a interpretação de Campos pode ser remetida com mais facilidade à tradição intelectual antiliberal, cujo representante máximo é o jurista alemão Carl Schmitt. No Estado Novo – e, especialmente em Campos –, o problema a ser resolvido era a organização do Brasil para um novo tempo: talvez um tema menos político do que metafísico. Na procura de uma compreensão dos alicerces filosóficos da visão de mundo campiana, para além do texto "Democracia e Unidade Nacional", o seu escrito mais relevante, certamente o mais complexo, é pronunciado no salão da Escola de Bellas Artes, em 28 de setembro de 1935. Denominado "A Política e o Nosso Tempo", será publicado na abertura do seu livro O Estado Nacional: Sua Estructura e seu Conteúdo Ideológico (1940). Neste discurso aparece o alargamento da questão do tempo histórico e de sua relação com o passado, quase uma continuação do seu argumento desenvolvido em 1914. Há um ponto claro de aproximação: lá, Campos defendia a necessidade de o novo tempo ser tutelado pela tradição, já que a sua incapacidade de lidar com as mudanças vertiginosas da revolução democrática implicava a impossibilidade de se identificar normas de ação e de organização; aqui, a transformação do mundo contemporâneo não é acompanhada pari passu por uma mudança da representação intelectual que os homens fazem dele. Assim, fica patente a incompreensão estrutural gerada por uma distinta dinâmica temporal. Nessa situação, a realidade não é mais alcançada por nenhum sistema interpretativo válido e reconhecido. Apesar disso, subsiste a presença do passado, em uma tentativa inócua de dar sentido ao que é inédito e inapreensível pelos modelos racionais de inteligibilidade. O passado não consegue, contudo, penetrar no tempo presente, e este último se isola, não desenvolvendo uma imediata autoconsciência. Como no discurso de 1914, o presente continua sem substância espiritual identificável. A tensão do texto de Campos deriva desta indefinição. É o que chama de aspecto trágico das épocas de transição: "O que chamamos época de transição é exatamente esta época profundamente trágica em que se torna agudo o conflito entre as formas tradicionais do nosso espírito, aquelas em que fomos educados e de cujo ângulo tomamos a nossa perspectiva sobre o mundo, e as formas inéditas sob as quais os acontecimentos apresentam a sua configuração desconcertante" (Campos, 1940a [1935]:5).

Se os homens precisam adaptar-se aos novos tempos, ainda estão realizando uma hermenêutica do mundo ancorada no passado: é a receita da catástrofe. Esse descompasso é sentido pelo autor como uma violência. A mudança epocal, em primeiro lugar, ocorre "sem nenhuma atenção para com as nossas idéias e os nossos desejos". A educação tradicional, relacionada a um mundo composto por ordem e hierarquia, não é capaz de antecipar de que forma o homem pode comportar-se ante a nova realidade. O mundo muda em um sentido estranho às gerações já educadas ou em processo de formação. Ao mesmo tempo, é orientado por uma razão que não comporta os contornos da educação tradicional. A conseqüência desse primeiro conjunto de observações é que se torna necessário "adaptar o homem ao ambiente espiritual do nosso tempo". A adaptação surge como um processo contínuo – tende ao infinito –, no qual o núcleo é simplesmente formal (o movimento, momento em que a educação passa a ser "para o que der e vier"). Ela se dá em oposição ao acúmulo de valores que vai se organizando por um determinado sistema, como no modelo de educação anterior, que detinha um caráter material (idem:3-7). Assim, uma dimensão distinta do problema temporal colocado no texto de 1914 pode ser aqui apontada. O passado não figura mais em sua função de opor resistência às inconstâncias de um presente sem rumo político definível. A aceleração do tempo elidiu a capacidade de oposição e de organização, pertencente à função de racionalização da política de cunho liberal. Predominam, sem limites, na configuração do que seja o espaço do político, "a irracionalidade e o sentimento da mudança" (ibidem). Eis aí a matéria sobre a qual deverá se erguer o novo edifício político-constitucional.

A Crítica da Modernidade como Ataque ao Romantismo Liberal

Francisco Campos, como o já citado Carl Schmitt, desenvolve uma percepção específica da modernidade política, que é o fundamento de sua visão de mundo e da relação deste com o direito. Em Schmitt, a burguesia européia é entendida enquanto classe que abraçou o romantismo como forma de expressão, estilizando os conflitos políticos e dissociando-os da realidade. O processo de despolitização do mundo moderno coloca a estética romântico-liberal como uma ordem possível de sentido em oposição às formas culturais tradicionais. Estas seriam investidas pela constante necessidade de enfrentar o conflito, agir e decidir em relação a ele. O resultado é o "desenvolvimento metafísico" que ocorre entre os séculos XVII e XIX. Ele significa, para Schmitt – na sua conferência "Das Zeitalter der Neutralisierungen und Entpolitisierungen" (A Era das Neutralizações e das Despolitizações) –, etapas de neutralização e despolitização que caracterizaram tanto a alternância das elites – e de suas convicções e argumentos – no poder político, quanto a alteração do "conteúdo de seus interesses espirituais, o princípio de sua atuação, o segredo de seus êxitos políticos e a disposição das grandes massas em deixarem-se impressionar por uma determinada classe de sugestões" (Schmitt, 1996b [1929]:82, tradução do autor).

As explicações sobre o mundo irão mudar de acordo com conceitos culturais centrais e, para cada época, prevalecerá um modo de entendimento centralizado pelo conceito preponderante. Estes conceitos-chave estarão cada vez mais distanciados da realidade política, isto é, cada vez mais estetizados (neutros). Assim, do século XVI para o XVII, ocorre o deslocamento da teologia para a metafísica e o cientificismo como esferas de referência cultural. O racionalismo metafísico cede lugar, já no século XVIII, ao conceito mítico de virtú. O século XIX é o do romantismo em interação com o economicismo. Finalmente, o século XX tem como conceito espiritual central o progresso técnico, e graças à estetização do economicismo efetuada pelo romantismo ainda no século anterior. Como ocorre com qualquer conceito espiritual central, com o progresso técnico, todos os problemas de natureza política, moral, religiosa, social e econômica são remetidos ao desenvolvimento técnico, que os engloba em sua "realidade" e os resolve magicamente. Estas etapas de neutralização e despolitização querem significar o processo de encobrimento da realidade política concreta. Acabará por gerar, no início do século XX, o diagnóstico schmittiano da falência das instituições liberais.

Essa concepção da modernidade – que Schmitt denomina de teologia política – pode ser definida como uma interpretação que opera através de um conceito oposto ao da existência de esferas culturais centrais, o conceito de decisão. Para o autor, a decisão política está fundada na exceção, "ao pensar e estruturar a política como uma ordem unitária organizada em torno a um centro soberano ou para representar a idéia ausente de ordem" (Galli, 1996:355 e 432, nota 30, tradução do autor). Schmitt nega, portanto, a possibilidade de se ver o fenômeno político através de qualquer elemento de natureza mágica ou estética, mas de uma ação que remete à personalidade e à existência do sujeito político implicado naquela decisão. Para esse autor, o direito liberal só consegue operar na normalidade, e o conceito de soberania a ele vinculado carece de capacidade decisória. Como ele vislumbra situações sociais de crise, faz-se necessário um outro instrumental teórico-prático para sustentar a necessidade política e pessoal de decidir. O modelo de Estado soberano que desponta da obra de Schmitt se apóia na idéia de um Estado árbitro, com uma força que submete os conflitos sociais à sua regulação. Sua funcionalidade remete à pacificação, através de uma decisão legitimada constitucionalmente.

Para Campos, da mesma forma, a decadência de sentido do mundo contemporâneo vincula-se ao romantismo. A perspectiva romântica é antiintelectualista, isto é, se utiliza de elementos irracionais como instrumentos de controle político. Por conta desse elemento, não fornece "novos conteúdos espirituais, a não ser a vaga indicação, tanto mais poderosa quanto mais vaga, de que os valores supremos da vida não constituem o objeto de conhecimento racional, podendo apenas ser traduzidos em símbolos ou em mitos" (Campos, 1940a [1935]:11). Tal fato significa que essas expressões são "destituídas de valor teórico" e não permitem o conhecimento. Têm como única função fazer "reviver os estados de consciência ou as emoções de que são apenas a imagem mais ou menos inadequada" (ibidem). Como em Schmitt, Campos não identifica ordem e hierarquia de valores nesta nova época, mas o exato atributo de sua ausência, o que chama de sofística: a impossibilidade de se definir o conteúdo de valores e de se estabelecer uma relação coerente entre eles, impedindo a preservação de um patrimônio espiritual que pudesse servir de referência para os novos tempos.

O Mito como Instrumento de Ação Política na Sociedade de Massas

Outra aproximação temática relevante entre Campos e Schmitt que ajuda na composição do argumento constitucional antiliberal é o desenvolvimento da crítica da modernidade pela análise do mito, tendo como objeto o mito da violência. No ensaio "Die politische Theorie des Mythus" (A Teoria Política do Mito) (1994b [1923]), Schmitt sustentará a capacidade do mito de redefinir a estrutura das relações e das instituições políticas tradicionais. Em Campos, no texto de 1935, o mito é um elemento que não permite qualquer compreensão sobre a realidade. Representa, por outro lado, um modo sui generis de ação política relacionada a um novo tempo, a um novo mundo e, especialmente, a um novo tipo de manifestação ou de organização social que é a do povo em massas. Enquanto Schmitt limita a apreciação da dinâmica do mito em sua contraposição à organização parlamentar, criando a oposição irracionalidade/racionalidade, Campos extrapola a análise político-doutrinária. Delineia, a partir do mito, uma nova interpretação da realidade contemporânea. Defende a tese de que o traço constitutivo do processo político contemporâneo é a irracionalidade que informa as configurações sociais e institucionais.

A fonte a partir da qual Francisco Campos, como Carl Schmitt, analisa essa mudança de orientação na época moderna é o livro de Georges Sorel, Reflexões sobre a Violência (1906). No seu texto, Schmitt sustenta que "[a] individualidade concreta, a realidade social da vida são violentadas por todo sistema geral. O fanatismo da unidade, próprio da Ilustração, não é menos despótico que a unidade e identidade da moderna democracia" (Schmitt, 1994b [1923]:13, tradução do autor). Em Campos, quando as formas tradicionais da vida privada não comportam mais existir, quando a progressiva aglomeração humana impele ao controle irracional das massas por um aparato político vinculado à mobilização das emoções, a função do mito se sobrepõe à razão. Para ambos os autores, o Parlamento é o representante por excelência da debilidade e da covardia de um sistema intelectual ancorado no liberalismo. Tal sistema é incapaz de identificar no mito algo além de um "instrumento passivo destinado a obedecer e executar os decretos da razão" (Campos, 1940a [1935]:12-18), e seu processo de deliberação e discussão "trai o mito e o grande entusiasmo (Begeisterung), que é o realmente importante" (Schmitt, 1994a [1921]:13, tradução do autor). Ambos os autores têm como objeto de crítica o fundamento puramente intelectual da decisão política, elemento que seria caro à tradição liberal. Campos, em especial, está interessado em determinar os fundamentos, a estrutura e o modo de funcionamento das democracias de massa. Ele as considera uma conseqüência necessária dos novos tempos. Estabelecer a relação entre a irracionalidade da política – que se revela sob uma sociedade de massas – e a reconfiguração do poder político é o intuito específico de seu estudo.

O objeto de Campos em seu texto "A Política e o Nosso Tempo" está contido no próprio título: a definição (o estudo) da transitoriedade das situações e da ausência de valores, capazes de gerar conflitos e adquirir um contorno trágico. A desmaterialização dos valores, a sofística, indica um novo sentido na composição social dos conflitos – se é que se pode utilizar esses termos – que não passa necessariamente pelo Estado; diz respeito ao acionamento das emoções a forjar, inclusive, pelas agremiações políticas proletárias, que se utilizam do mito da greve geral como instrumento para alcançar a revolução. O que pode mobilizar as massas para a ação política concreta? Esta é a pergunta que subjaz ao argumento de Campos. O mito, como essa força simbólica que agita o irracionalismo das massas, não é um valor de verdade: não representa, em si mesmo, uma orientação de sentido para o mundo. Para uma sofística contemporânea que se utiliza da linguagem tradicional, a eliminação da substância de qualquer valor é o que marca a diferença. A possibilidade de funcionamento meramente técnico que esta atitude argumentativa suscita é a base para a nova prática política que transparece na atualidade: "A teologia soreliana do mito político não é mais do que uma aplicação [...] do pragmatismo anglo-saxão e do seu conceito de verdade" (Campos, 1940a [1935]:7).

Em uma crítica ao substancialismo do conceito soreliano, Campos argumenta que o mito trabalha a partir de uma ausência de conteúdo moral. Concretiza-se unicamente como forma, ou como instrumento direcionado para a consecução de fins, sejam quais forem. Paradoxalmente, funciona a partir da crença em uma "verdade" (meramente procedimental), que se confirma pela realização de uma finalidade qualquer no mundo. Campos afirma que o mito soreliano não tem propriamente um valor de verdade – não é nem absoluto, nem universal. Apenas permite a realização de ações concretas quando é aceito mediante crença por aqueles mobilizados para a transformação social. Desta forma, por exemplo, o mito da greve geral funcionaria da mesma maneira que o mito da luta de classes. Atuaria como um "instrumento intelectual" capaz de mobilizar a natureza humana para a ação, tanto através de idéias como de "sentimentos de luta e violência". O mito seria, assim, um instrumento especialmente adequado para lidar com o caráter irracional das massas. Para Campos, o mito mobiliza o homem pela polarização, isto é, pela forja e pelo cultivo de "uma imagem dotada de grande carga emocional" (idem:8). Nesse sentido, a desubstancialização da produção da verdade no mundo contemporâneo transforma-se em um elemento caro ao predomínio da esfera instrumental da técnica. Campos argumenta que

"toda técnica, ainda a do espírito, é indiferente aos fins. A técnica espiritual da violência [...] tinha por objetivo [...] dissolver a unidade do Estado, construída pelos juristas, graças ao emprego de métodos artificiosos de racionalização, próprios à teologia, no multiverso político do sindicalismo" (idem:9).

O alvo deste ataque à técnica da violência é Sorel. O mito, segundo esse autor, engendraria nos operários um juízo de conjunto capaz de aglutiná-los. Não é assim que Campos o interpreta. Mais especificamente, o autor mineiro tenta indicar de que forma o instrumental soreliano recupera a irracionalidade da atuação desordenada das massas em contraposição, apenas aparente, à racionalidade de uma unidade política possível na ditadura. A "teologia monista do nacionalismo" mussoliniano – que originalmente remete, segundo Campos, a Fichte – é o contraponto político à técnica da violência que estimula a luta de classes. Mussolini servir-se-á da mesma técnica para "pôr fim à luta de classes e reforçar a unidade política do Estado". As fórmulas jurídicas não conseguem sedimentar esse sentimento de unidade nacional como é capaz de fazer o sentimento fichtiano de que "a nação é o envoltório do eterno" (idem:10). Isso significa, em resumo, que o mito é percebido como um meio de acionamento das massas no mundo contemporâneo, isto é, uma técnica que traz em si a violência irracional, utilizada como condutor de sua nova forma de realização da política. Conseqüentemente, a luta de classes, necessária pela violência regeneradora que poderia criar – segundo Sorel – é, na percepção de Campos, apenas uma ferramenta a ser incorporada pelo discurso aparentemente racional de um regime político fundado na força. É o mesmo caso da idéia de persuasão forense, como é o das instituições vinculadas à democracia liberal. Sob o véu da deliberação parlamentar – feito à imagem e semelhança do foro –, o regime democrático, quando vinculado ao liberalismo, tenta encobrir o antagonismo de interesses pela suposta neutralidade do Estado, "cada um dos centros de conflito fazendo o possível para reunir a maior massa de forças a fim de que a decisão final lhe seja inteiramente favorável" (idem:27).

Não existe, portanto, o que direcione racionalmente esta ação da violência percebida pelo autor como técnica de controle político – isto porque qualquer força social, não só o Estado e não só a partir do Estado, pode utilizar-se do "instrumento técnico" do mito para a realização de seus objetivos políticos. Um fim politicamente válido, no sentido de ser concretamente realizável, não necessita pretender ordem social ou econômica. À revolução proporcionada pela greve geral não segue, necessariamente, planificação política e econômica. Da mesma forma – e seguindo o raciocínio de Campos – da deliberação parlamentar não derivam "garantias de que as decisões políticas incorporarão no seu contexto os elementos de razão e de justiça, que formam, segundo o otimismo beato do sistema liberal, o fundo inalienável da natureza humana" (idem:19). Ele não realiza uma leitura ingênua desse movimento da forma política ocidental em direção à irracionalidade. A sua avaliação é crítica, na medida em que antevê as conseqüências da exacerbação do modelo. Assim, o caráter estritamente irracional do mito pode concorrer para a condensação das forças sociais em direção à guerra ou à barbárie. Não seria essa uma interpretação crítica do mito do espaço vital hitleriano?

A Crítica das Instituições Liberais e a Necessidade de Emocionalização da Política

Para o autor, não é possível identificar o Estado como pólo ativo no qual esteja concentrada exclusivamente a idéia de integração ou de organização política. O objetivo de Campos é outro: estabelecer os motivos de instabilidade das instituições políticas de cunho democrático-liberal e, em especial, o declínio atual do sistema parlamentar, em face da aparição sociológica do fenômeno das massas. A filosofia da história tecida por ele em seu discurso caminha para o estabelecimento do mito como instrumento mobilizável para uma finalidade qualquer, seja ela revolucionária, religiosa, política etc. Um símbolo que emerge no discurso de Campos é o da personalidade como mito político mais denso e mais compacto, o mito político por excelência (idem:15). Assim, a idéia de organização é menos importante que o processo de reconfiguração da dinâmica política, que passa a depender de elementos que descentralizam o sentido racional ou tradicional-estamental da idéia de autoridade. Nesses termos, ele não está fazendo teoria política normativa, mas sociologia política das massas. A idéia de autoridade pode ser lida, inclusive, como puramente moral. Seu objetivo é reintegrar o mundo de sentido, como é o caso da exortação por uma cruzada que o autor realiza anos depois em Atualidade de D. Quixote (1948)7.

Como para o autor brasileiro, a superação da compreensão política tradicional significa, para Carl Schmitt, a emocionalização de seus conceitos. A justificativa mais ou menos racional para a utilização da força, no espaço social, foi substituída contemporaneamente por uma nova fé no instinto e na intuição. Esta fé elimina a possibilidade de se confiar nos encaminhamentos políticos de uma deliberação racional de natureza parlamentar (Schmitt, 1994a [1921]:12). No seu livro Die Geistesgeschichtliche Lage des heutigen Parlamentarismus (A Situação Histórico-Espiritual do Parlamentarismo Contemporâneo) (1996a [1926]), Schmitt argumenta que, com o surgimento das democracias de massa em meados do século XIX, o sistema representativo instituído através do Parlamento tornou-se incapaz de produzir legitimidade. A representação parlamentar tornou-se incapaz de gerar um governo estável, ou de assegurar a viabilidade concreta da democracia representativa, derivada da relação entre eleitores e parlamentares (cf. idem). Inicialmente, ele mostra que o direito de voto proporcional inaugura o princípio segundo o qual os parlamentares representam todo o povo. Eles se submetem, no momento das decisões políticas, às suas próprias consciências, e não a um prévio acordo com seus eleitores mais próximos. Este fato suprime, em última análise, a legitimidade histórica e de princípio de um sistema intelectualmente construído para estabelecer o vínculo direto – agora impossível – entre eleitor e parlamentar. Este vínculo, de aparente natureza ideal, objetiva "realizar a identidade entre o Estado e o povo", mas esbarra na organização do sistema eleitoral, inadequado para fazer valer uma vontade popular concreta, não manipulável, nem parcial ou elitista (idem: 22-35, tradução do autor).

Para Schmitt, a democracia indireta transforma-se, neste contexto, em algo indistinto do sistema parlamentar. O apelo à razão como centro decisório significa, da mesma forma, a submissão a uma lógica que violenta a individualidade concreta. A razão submete-se à unidade e à centralização política e religiosa da vida, articulada pela Ilustração e pela racionalidade da democracia moderna. Schmitt já indica qual é o sentido dessa crítica. Primeiramente, uma crítica ao racionalismo absoluto e ao seu desdobramento em ditadura da razão. Em segundo lugar, um estudo do mito como fundamento para uma doutrina da decisão ativa direta contra o racionalismo relativo da discussão pública e do parlamentarismo (Schmitt, 1994a [1921]:13). Schmitt entende ser válida a possibilidade de identificar a vontade popular concreta através da manifestação simples e imediata da massa através da aclamação popular (Zuruf, acclamatio) ou por obra de um indivíduo que encarne esta vontade (Schmitt, 1996a [1926]:6-7; 35). O autor vincula-se, assim, ao cesarismo como forma política por excelência. Forma de Estado ditatorial centrada na figura mítica do Líder. Este último necessita se legitimar pela ação emocional (irracional) das massas e intenta resolver "por cima" as tensões sociais em movimento.

O problema levantado por Campos no texto "A Política e o Nosso Tempo" (1940a [1935]) é idêntico e vai radicar na composição constitucional do Estado Novo: a compreensão de que a política contemporânea é de massas e, portanto, deve configurar-se para as massas. A multidão, característica central do tempo histórico sob análise, não representa, desta forma, um indício de que o autor esteja compreendendo a sociedade a partir de uma visão corporativa. Não se está falando, aqui, de classes intermediárias, organizações sindicais ou de caráter corporativo como sujeitos atuantes na definição do processo político-representativo de regulação das relações sociais, seja antiliberal ou democrático-liberal. Este modelo corporativo é o de Oliveira Vianna e aparece em Campos somente nos seus escritos de propaganda do Estado Novo. Nesses textos "oficiais", Campos objetiva compor a sua sociologia das massas com a necessidade de constitucionalização da relação capital-trabalho, tal como ela fôra encaminhada por Vargas desde a Revolução de 1930. Já no texto em exegese, a operacionalização da política deve levar em consideração, para o estabelecimento de uma estrutura capaz de render efeitos político-sociais concretos, o fenômeno sociológico da sociedade de massas:

"É possível hoje, com efeito, e é o que acontece, transformar a tranqüila opinião pública do século passado em um estado de delírio ou de alucinação coletiva, mediante os instrumentos de propagação, de intensificação e de contágio de emoções, tornados possíveis, precisamente graças ao progresso que nos deu a imprensa de grande tiragem, a radiodifusão, o cinema, os recentes processos de comunicação que conferem ao homem um dom aproximado ao da ubiqüidade, e, dentro em pouco, a televisão, tornando possível a nossa presença simultânea em diferentes pontos de espaço. Não é necessário o contato físico para que haja multidão. Durante toda a fase de campanha ou de propaganda política, toda a Nação é mobilizada em estado multitudinário" (idem:25).

As massas não são uma entidade capaz de classificação compartimentada e hierárquica, pois não são passíveis de decomposição. Não são nem um ente propriamente coletivo, já que uma das conseqüências do progresso técnico é exatamente a possibilidade do controle mediatizado. Nesse sentido, a massa não se forma de modo espontâneo nem pode ser direcionada a partir de um conjunto de proposições políticas de caráter racional. A distinção entre multidão e massa está no fato de que a multidão é um aglomerado informe de pessoas que não pode ser mobilizado racionalmente. A massa, por sua vez, é o estado em que se encontra a multidão quando mobilizada pelo mito. A opinião que se constitui através desse processo não é capaz de manifestar-se politicamente "sobre a substância de nenhuma questão. Ela toma simplesmente seu partido, e por motivos tão remotos ou estranhos a qualquer nexo lógico ou reflexivo, que se torna ininteligível ou irredutível a termos de razão o processo das suas inferências" (ibidem).

Liberalismo X Democracia: O Racionalismo Derrotado pela Emergência das Massas

Para o autor, a revelação dos verdadeiros processos pelos quais atua a democracia vinculada ao liberalismo é o princípio do fim dessa fusão. Em uma sociedade de massas – argumenta –, a democracia não consegue operar pelos instrumentos e instituições legados pela tradição liberal. Vaticina que para "as decisões políticas uma sala de parlamento tem hoje a mesma importância que uma sala de museu" (Campos, 1940a [1935]:28). Este modelo "feminino" de organizar o processo político através da "persuasão sofística" não suporta a estrutura econômica que se amplia e se densifica, revelando sua irracionalidade inerente e o seu "caráter trágico". Este progressivo afastar da ideologia liberal acaba, então, por substituir o artifício "intelectualista" pelo processo democrático-ditatorial da vontade. Isso leva os regimes democráticos a se tornarem imunes à discussão como instrumento de decisão política. A tese de Campos é que "a crise do liberalismo no seio da democracia é que suscitou os regimes totalitários, e não estes aquela crise" (idem) A democracia pode, então, permanecer preservada se o processo de representação realizar-se por qualquer meio válido não-liberal, como, por exemplo, a aclamação plebiscitária, como visto anteriormente em Schmitt.

À oposição entre liberalismo e democracia, Campos submete o impressionismo literário da relação entre o império da razão representado por Ariel e a sensualidade e torpeza das massas, identificadas na figura de Caliban. Antecipa a relação entre D. Quixote e Sancho Pança, que mobilizará anos depois para representar a mesma oposição entre civilização e barbárie. Ariel e Caliban estão na peça A Tempestade (1611), de William Shakespeare, e são retratados por Ernest Renan, em seu livro Caliban (1878), como representantes do embate e da vitória das massas ignorantes da democracia igualitária e material sobre a cultura do governo aristocrático dos sábios. Próspero, personagem shakespeariano que, em tese, representaria a civilização e a conversão final de Caliban pela razão, é derrotado por ele na continuação de Renan. Escrevendo sob impacto da Comuna de Paris, Renan considera necessária a formação de uma elite cultural para o enfrentamento das massas irracionais em ebulição, especificamente as localizadas nas colônias da Europa (Retamar, 1989:9).

O que Campos vislumbra como destino do clima histórico das massas, como destino de Caliban, é o recrudescimento das tensões sociais. Isto revelaria a incapacidade da tentativa liberal de racionalização do processo político. Ele aponta para o surgimento de um "novo ciclo de cultura", que se coloca para a humanidade indicando a percepção de que a contemporaneidade enfrenta o desafio de uma nova forma espiritual. Seguindo, como Schmitt, um diagnóstico da formação do desenvolvimento cultural de épocas espirituais diversas – que remonta a Comte –, Campos identifica pelo menos duas fases anteriores de integração política: pela fé "nas épocas de religião" e pela razão (Campos, 1940a [1935]:14). O caráter técnico da ação política em uma sociedade de massas é intrínseco. Sua utilização corriqueira no serviço de interesses irracionais só se clarifica quando a mobilização das massas se torna um problema logístico. Assim, as grandes tensões políticas evocadas pelo clima das massas "não se deixam resolver em termos intelectuais, nem em polêmica de idéias. O seu processo dialético não obedece às regras do jogo parlamentar e desconhece as premissas racionalistas do liberalismo" (idem:13). Nesse novo momento espiritual, o seu controle é o objetivo do embate. Isto se dá especialmente quando as massas predominam e passam a desempenhar um papel fundamental na arena política. No processo de mobilização das massas, a integração política pelas forças irracionais é total, porque, segundo Campos, o absoluto é uma categoria arcaica do espírito humano. A política transforma-se, desta maneira, em teologia. Não há formas relativas de integração política, e o homem pertence, alma e corpo, à Nação, ao Estado, ao partido. Isto equivale a dizer que as formas políticas de integração parcial, como a política democrática da deliberação parlamentar, pela sua fraqueza e incompletude acabam, necessariamente, dando lugar a um modelo de democracia dissociado do liberalismo: a ditadura. Nesse sentido, o constitucionalismo liberal traz, dentro de si, os germens do regime ditatorial:

"As decisões políticas fundamentais são declaradas tabu e integralmente subtraídas ao princípio da livre discussão. O sistema constitucional é dotado de um novo dogma, que consiste em pressupor acima da constituição escrita uma constituição não escrita, na qual se contém a regra fundamental de que os direitos de liberdade são concedidos sob a reserva de se não envolverem no seu exercício os dogmas básicos ou as decisões constitucionais relativas à substância do regime" (idem:21).

A dogmatização da dinâmica política, característica da democracia sob as massas, significa a exterioridade de assentimento e conformidade sobre um sistema decisório moldado à imagem e semelhança das teologias políticas antiliberais. O resultado do funcionamento histórico da dinâmica liberal sobre uma situação de predominância das massas é que a sua existência força uma "brusca mutação" em direção às técnicas do Estado totalitário. Na verdade, Campos informa que, dada a ascensão da sociedade de massas, a democracia não pode ficar limitada aos procedimentos forenses de deliberação liberal. A polarização dos conflitos políticos, sua exacerbação, retira do Parlamento e das instituições liberais a força de persuasão. A democracia, como procedimento de legitimação das decisões políticas fundamentais, divorcia-se do liberalismo. O baixo profundo de Caliban, isto é, a manifestação das forças irracionais, do caráter trágico e da configuração "demoníaca" do estilo das massas, emerge. A delicadeza da sofística liberal chega ao fim: Ariel é vencido. A democracia, destituída de sua capa liberal pela dinâmica da sociedade de massas, assume o aspecto de um "sistema monista de integração política" através da imputação das decisões fundamentais a um centro de vontade cujo caráter irracional equivale ao processo decisionista ditatorial (idem:19-24).

A União entre Democracia e Ditadura: A Nova Juridicidade das Sociedades de Massa

Campos opera a mesma integração lógica entre ditadura e democracia que Schmitt – no seu livro Die Diktatur (A Ditadura) (1994a [1921]) – realiza alguns anos antes. Afasta a vinculação necessária entre liberalismo e democracia. Na sua definição do conceito de ditadura, Schmitt refunda a discussão sobre a representação a partir de um viés técnico-jurídico. Ele não considera relevante o problema de identificar como a ditadura funciona de fato, mas como é possível remeter este funcionamento a uma legitimação formal. Procura justificar tecnicamente a divisão entre normas jurídicas e normas de realização do direito, segundo sua famosa proposição:

"Que toda ditadura contém uma exceção a uma norma não significa que seja uma negação causal de uma norma qualquer. A dialética interna do conceito repousa no fato de que a norma, cujo comando na realidade histórico-política deve ser assegurado pela ditadura, é negada. Entre o comando da norma a realizar e o método de sua realização pode, portanto, existir uma oposição. Aqui reside a essência jurídico-filosófica da ditadura, a saber, a possibilidade geral de uma separação das normas de direito das normas de realização do direito" (Schmitt, 1994a [1921]:XVII, tradução do autor).

Estas normas de realização do direito, que dão forma política e jurídica à ditadura, necessitam sustentar-se como representações formais sem dependerem do benefício prático que porventura possam trazer para o ordenamento jurídico do qual emanam. Necessitam, para serem legítimas, de uma correspondente apresentação normativa que as façam valer por si mesmas, enquanto regras de direito. Em primeiro lugar, uma ditadura realiza-se suspendendo o funcionamento normal de uma norma jurídica. A partir da operacionalização de procedimentos, garante, em um futuro predeterminado, que aquela norma volte a funcionar com eficácia. A ditadura é, nessa argumentação de Schmitt, um meio concreto previsto pelo direito para, em suspendendo determinadas regras jurídicas, operar a realização de outras, ou do direito como um todo. A ditadura solicita, portanto, uma previsão constitucional, o que, na concepção desse autor, significa a sua legitimação. Em segundo lugar, sua finalidade imediata não é meramente prática – o que redundaria em uma zona de anomia –, mas a realização do direito, isto é, no processo de seu funcionamento, deve portar a juridicidade que a legitima. Para ele não se justifica um suposto direito natural, ou seja, uma ruptura (com o direito) fundada em princípios de justiça – ou o que quer que seja –, localizados para além do ordenamento jurídico positivo. O conceito de ditadura schmittiano é constitucional, antiliberal e, portanto, previsto no ordenamento jurídico.

É esse o motivo pelo qual a Constituição de 1937 deve ser considerada um elemento central na interpretação das instituições jurídicas do Estado Novo. Mesmo se considerarmos que a sua existência representou apenas um pretexto para o golpe de Estado que manteve Vargas no poder, não se pode deixar de reconhecer o papel de legitimação operado pela Constituição. Esse papel pode ser visto seja no processo de endurecimento do regime, seja por orientar a produção do corpo legislativo necessário à institucionalização do processo de modernização. Esse argumento é cristalino no texto de Campos: a falência política do liberalismo e a necessidade do distanciamento da forma política democrática das instituições liberais se estabelecem no século XX. Isto acontece dada a multiplicação do irracionalismo produzida pelas conquistas da ciência e da técnica. Esta opera, segundo ele, uma ressacralização da política, e a sua inscrição definitiva em um tempo em que a irracionalidade é constitutiva da configuração do poder político. Não é por outro motivo que, na Constituição de 1937, o instituto do plebiscito é o instrumento central de legitimação democrática do regime. Para Campos,

"As massas encontram-se sob a fascinação da personalidade carismática. Esta é o centro da integração política. Quanto mais volumosas e ativas as massas, tanto mais a integração política só se torna possível mediante o ditado de uma vontade pessoal. O regime político das massas é o da ditadura. A única forma natural de expressão da vontade das massas é o plebiscito, isto é, voto-aclamação, apelo, antes do que a escolha" (1940a [1935]:16).

Esse diagnóstico é obviamente marcado pela forma político-constitucional antiliberal. Contém um modelo de organização política que, além de prever a centralização do poder, tem um caráter mobilizador. O perfil sociológico do antiliberalismo não funciona a partir de uma comunidade solidária e ao mesmo tempo informe, capaz de ser moldada em qualquer direção. Não se pode considerar que o modelo de Estado que subjaz no discurso campiano é ainda o Estado tutelar de sua fase da Primeira República. Seu ponto também não é a manutenção, pela desmobilização, de uma "demarcação jurídica e burocrática entre Estado e Sociedade", como sustenta Bolívar Lamounier (1997 [1978]) no seu conceituado artigo "Formação de um Pensamento Político Autoritário na Primeira República: Uma Interpretação". Se a aparição do César é uma ligação direta entre as massas e o mito político fundamental, não há necessidade de intermediários. Esse diagnóstico é uma admoestação negativa dos destinos sombrios da humanidade. Campos não lamenta a existência da sociedade de massas. Procura entendê-la e adaptar-se a ela, o que significa o reconhecimento da mobilização organizada como uma conseqüência da irracionalidade: as massas são a matéria bruta capaz de corporificar a força política para o enfrentamento político propriamente dito. Isso permite questionar Lamounier quando, por exemplo, discorre sobre as filiações teóricas de Campos: "A opção pelo Rechstaat [Estado de Direito], pelo ideal de ordenação jurídica consagrado pelo constitucionalismo liberal, mas desta vez contra o liberalismo político" (idem:369).

Lamounier somente alude ao fato de que existe no autor um liberalismo instrumental. Esta utilização interessada de instituições liberais para fins políticos específicos não significa uma opção pelo ideal de ordenação jurídica liberal contra o liberalismo político. O constitucionalismo liberal tem como finalidade a implantação de instituições liberais que o materializam socialmente. Quando Campos se refere ao processo de atribuição de sentido – que na contemporaneidade só se dá pelo mito –, não está recorrendo a nenhuma instituição liberal, muito menos a um suposto Estado de Direito, como sugere Lamounier. Tanto em Campos como em Schmitt não se materializa, em uma hipotética Constituição, nenhuma das instituições que garantem um procedimento político fundado em princípios liberais. Em decorrência do constitucionalismo antiliberal de Schmitt, a sociedade ocidental ficou, inclusive, à mercê das ditaduras.

O conceito puro de democracia que orienta a construção constitucional de ambos os autores é a democracia substantiva ou substancial. Ela se opõe ao conceito de democracia formal ou procedimental do liberalismo. No conceito de democracia substancial, já como ministro do Estado Novo, Campos usa a Verfassunglehre (1993 [1928]) de Schmitt como fonte, eventualmente citada em outros escritos. Em diálogo não assumido, ele demonstra compreender a distinção entre dois modelos constitucionais, entre duas estruturas institucionais que não se confundem: as democráticas substantivas (antiliberais) e as democráticas formais (liberais). Ele demarca o conceito de democracia substantiva que passa a informar a composição constitucional do Estado Novo. Na entrevista Problemas do Brasil e Soluções do Regime, explica que

"A essência da democracia reside em que o Estado é constituído pela vontade daqueles que se acham submetidos ao mesmo Estado: reside na vontade do povo, como declara, logo de início, a atual Constituição. A afirmação de que o Estado é produzido pela vontade popular não implica a conclusão de que o sufrágio universal seja um sistema necessário de escolha, nem a de que o Presidente da República deva exercer o seu cargo por um curto período de tempo, não podendo ser reeleito. É absurdo tirar de uma noção meramente formal de democracia conclusões que a prática repele. Os meios pelos quais a vontade popular se pode fazer sentir têm de ser estabelecidos de acordo com a realidade social e não com os ensinamentos meramente dialéticos" (Campos, 1940d [1938]:75).

Vincular-se a uma democracia procedimental como a liberal significa, para Campos, organizar a sociedade através de uma democracia de meios, puramente técnica. Outra coisa é pensar a ordem social tendo como base uma democracia de fins, ligada precipuamente ao conteúdo a ser realizado. Se o mesmo autor, em 1935, sustenta a irracionalidade da técnica e considera que a democracia liberal e suas instituições não são adequadas a uma sociedade de massas, não há por que falar em Estado de Direito em sua obra. A democracia substancial, como estabelecida por Carl Schmitt em seu livro Verfassunglehre, funda-se na idéia de um povo situado concretamente no tempo e no espaço – comunidade nacional – capaz de manifestar politicamente a sua vontade, é uma concepção que destoa da fórmula universalista e racional do liberalismo (Galli, 1996:538). Também a forma do exercício democrático, na visão de Schmitt, distingue-se da democracia liberal. As democracias contemporâneas deveriam se basear na homogeneidade substancial (que diferencia nacionais de estrangeiros, por exemplo) e não na idéia de humanidade universal: a igualdade absoluta dos direitos políticos é inviável por desprezar as individualidades, as diferenças naturais, as desigualdades de fato e a própria substância da identidade nacional, fundada nestes elementos. As democracias contemporâneas devem se realizar, para esses autores, através do processo de representação política direta, ou seja, pela aclamação do líder, processo esse de natureza intrinsecamente irracional. A democracia formal, por outro lado, diz respeito à representação indireta. Obedece a um número de procedimentos e de instituições que intermedeiam a relação política entre o povo e o Estado, garantindo formalmente a liberdade de manifestação, a partidarização, a pluralidade ideológica etc. A democracia substancial representa a legitimação principiológica do cesarismo, da mobilização social irracional destituída de controles formais, ou seja, é contrária a procedimentos que pretendam garantir racionalidade ao processo político. Assim, não há nada mais distante do pensamento campiano que uma "opção pelo Rechstaat".

O Estado Novo teve uma Constituição, ou seja, recorreu à forma jurídica, mas ela não se sustentava, nem teórica nem instrumentalmente, em instituições de corte liberal. O Estado de Direito pressupõe divisão de poderes, representação parlamentar, sufrágio, garantias individuais, limitações constitucionais ao poder político, concentração da atividade legislativa no Poder Legislativo – e não no Poder Executivo – além de limitações formais e substanciais à decretação e permanência do estado de sítio, por exemplo. Nenhum desses institutos, no seu caráter estritamente liberal, pode ser encontrado na Constituição escrita por Campos. Logo, nem o Estado Novo sustenta-se juridicamente enquanto um Estado de Direito, nem ele, como autor com ideal de um ordenamento jurídico consagrado pelo constitucionalismo liberal.

Em termos jurídicos, a utilização da Constituição como instrumento de legitimação da ditadura significa o deslocamento da função legislativa para a burocracia do Poder Executivo. Segundo a doutrina schmittiana, muito próxima no Brasil não só dos escritos de Campos, mas também de Oliveira Vianna, o princípio democrático-formal das maiorias (princípio da legalidade) é substituído pela atuação democrático-substancial do Estado burocrático-administrativo executor. Este se funda na legitimidade da autorização plebiscitária ou nas cláusulas que prevêem a excepcionalidade de seu funcionamento (princípio da legitimidade). Conforme o autor alemão, ao Poder Executivo caberá, em variadas situações, ser o executor da Constituição, mas, igualmente, o legislador extraordinário. Isto ocorrerá nos casos de valores excepcionalmente ameaçados em uma situação de desordem, com o fito de proteger conteúdos definidos pelo texto constitucional por ações concretas de natureza excepcional.

Quando a Constituição passa a cumprir funções de natureza material, garante a realização de valores; ela sobrepõe a natureza transitória da vontade parlamentar, tradicionalmente constituída por maiorias momentâneas e vinculada à estrutura puramente formal da lei. Laborando como poder excepcional, o Executivo pode legislar através de procedimento administrativo. A generalidade da lei passou a ser – sob a influência teórica de Schmitt – a única forma de expressão do Parlamento, sob a configuração de princípios gerais do direito. Esse movimento deslocou para a burocracia administrativa a regulação dos casos concretos e transformou o Poder Executivo em gestor da livre concorrência e em legislador de fato da ordem econômica e social. Para Franz Neumann, a Constituição alemã de Weimar, sob esse influxo interpretativo, viu renascer disfarçadamente um "direito natural que passa então a exercer funções contra-revolucionárias" (1957b:47; 52-53, tradução do autor). Neumann resume as conseqüências dessa delegação legislativa indicando que

"O período de 1918 a 1932 foi caracterizado pela quase universal aceitação da doutrina da escola do 'direito livre', pela destruição da racionalidade e calculabilidade do direito, pela restrição do sistema de contratos, pelo triunfo da idéia do comando sobre aquela do contrato e pela prevalência dos 'princípios gerais' sobre normas jurídicas genuínas. Os 'princípios gerais' transformaram todo o sistema legal. Mas a sua dependência numa ordem de valores extra-legal nega a racionalidade formal, gerando uma imensa quantidade de poder discricionário para o juiz e eliminando a linha de divisão entre o Judiciário e o Executivo, de modo que as decisões administrativas – isto é, decisões políticas – tomam a forma de decisões de cortes civis ordinárias." (idem:44-45, tradução do autor)

No caso brasileiro, a gênese do modelo constitucional que deu forma ao Estado Novo é bem identificada por Campos no texto "Diretrizes do Estado Nacional" (1940c [1937]). Publicado em novembro de 1937, no mês de instalação formal do regime, o documento explicita os princípios da nova ordem política. Considerando a Constituição de 1934 como restauração da política das oligarquias, o autor reconhece a coesão como o benefício proporcionado pela legislação social, na Revolução de 1930. Corrompido pelas velhas práticas políticas, o ideal revolucionário só poderia se realizar pela alteração das instituições. A crítica ao localismo oligárquico toma a forma da censura à existência de partidos (idem:41). A "democracia de partidos", como o diz, é demagógica por excelência e demanda o reforço da autoridade executiva. Para o autor, que robustece a sua crítica ao Parlamento e à democracia liberal, os elementos a se destacar, nessa nova Constituição, são: o reconhecimento da delegação do Poder Legislativo para o Executivo, a incorporação do direito ao trabalho e à educação, a restrição do poder de decisão dos juízes da Corte Constitucional, as práticas plebiscitárias, a ampliação da burocracia e o regime corporativo como antídoto ao liberalismo e ao marxismo (ibidem).

Sustentando que a delegação legislativa ao Executivo representa a superação de uma concepção individualista e negativa do Estado, Campos estabelece a diferença conceitual entre política e técnica legislativa. Enquanto o Parlamento deveria cuidar politicamente dos fatos mais relevantes da vida nacional através da legislação, a administração pública, pelo seu poder regulamentar e na expedição de decretos-leis, organizaria, tecnicamente, os detalhes do cotidiano. O autor aproveita-se, desta forma, não só de uma estrutura teórica já utilizada por um conjunto de constituições européias da época, como a realizará na Constituição de 1937, compondo-a com instrumentos constitucionais delimitadores do modelo de Estado antiliberal.



CONSIDERAÇÕES FINAIS

Se fosse possível classificar a filosofia da história de Campos, especialmente a do texto "A Política e o Nosso Tempo", ela chamar-se-ia decadentista, embora a pretensão do texto seja mais avaliativa/descritiva do que propriamente valorativa. Se, durante a Primeira República, Campos apostava na tradição e no governo da lei para tutelar a sociedade e as instituições liberais, consideradas irresponsáveis, não se pode dizer o mesmo de sua visão sobre o fenômeno político nos anos 1930. Ele está diante de uma sociedade atomizada e impessoal cujo volume físico não se presta a um processo tradicional de esclarecimento: a educação para o que der e vier não pode ser uma educação que inculca valores, um processo de aprendizagem relativo à hierarquização do mundo. Esse mundo é, para o autor, "refratário a um sistema interpretativo, em desacordo com a escala e o passo dos acontecimentos" (Campos, 1940a [1935]:5). A impotência da razão para dar conta da nova realidade é, de certa forma, lamentada. O que se questiona é o retorno à "comunhão totêmica" que elimina as "formas de vida íntima ou pessoal", gerando um "estado mais ou menos equívoco" de comunhão (idem:13). A possibilidade de se vislumbrar uma relação política com o mundo através da racionalidade e do embate intelectual das elites é ponto central da crítica de Campos à postura democrático-liberal. Mas essa situação impõe, ao mesmo tempo, um programa político ordenador que operará de acordo com os mesmos critérios do mundo circundante.

Como herdeiro intelectual de Hobbes, Campos identifica a contemporaneidade como um estado de natureza, mas que se mescla à vida social. Lembre-se que, no autor inglês, o estado de natureza é uma pressuposição lógica, ainda que a Inglaterra estivesse em uma guerra civil para a qual o Estado-Leviatã seria um antídoto. É um olhar hipotético para uma situação em que se considera não haver Estado organizado. Campos, ao contrário, está realizando, a princípio, uma análise sociológica. Logo, não pressupõe uma situação em que todos estão predispostos ao embate, ele está diagnosticando. "Daí [– diz ele –] o caráter problemático de tudo: acelerado o ritmo da mudança, toda a situação passa a provisória, e a atitude do espírito há de ser uma atitude de permanente adaptação" (idem:5). O caráter problemático, inconstante e trágico do mundo contemporâneo não fornece às elites novos conteúdos espirituais. Se há apelo à solidariedade humana, este é de natureza irracional. Se o homem consegue mobilização suficiente para a integração das massas pelo Estado, deixa de pertencer a si mesmo. Passa a ser propriedade "alma e corpo" da nação, do Estado, do partido: a personalidade e a liberdade tornam-se "apenas ilusões do espírito humano" (idem:13). Nesse sentido, o Leviatã que aparece na obra de Campos não é benevolente ou civilizador: é antiliberal, cesarista e dirigido para o controle emocional das massas.

Conseqüência do tipo de sociedade de massas, o Leviatã campiano funciona através de uma democracia antiliberal, do mito do César. Os argumentos de Campos circulam em torno das transformações políticas do início do século XX e das críticas aos fundamentos e ao sistema político do liberalismo. Isto define uma proximidade intelectual com alguns conceitos-chave do pensamento conservador europeu, já presentes em seu texto de 1914, mais especificamente, ao próprio diagnóstico que Schmitt desenvolve, ainda naquela década, acerca das limitações e aporias do modelo político liberal. Esta avaliação é contígua àquela que o autor mineiro irá desembainhar às vésperas do golpe ditatorial de Getúlio Vargas. Reconhecido como articulador central do Estado Novo, Campos proporá uma estrutura constitucional que dará amparo à situação política esperada (para uma República em que a dúvida era a escolha entre integralismo ou "autoritarismo", no combate à política liberal e ao perigo comunista) (Iglésias, 1993:246 e ss.). Autor exclusivo da Constituição de 1937, Campos tem em vista um Estado comandado pelo Poder Executivo, de inspiração constitucional antiliberal. Dada a eclosão das massas, o controle social e político deve passar, necessariamente, pela construção de uma dinâmica destituída da feminilidade do parlamentarismo. Deve ser instrumentalizada pelas técnicas irracionalistas do mito. No que respeita à sintonia fina entre perspectiva teórica e atuação política, o autor colocar-se-á como mentor de um modelo de Estado não simplesmente autoritário, mas de um Estado antiliberal, plebiscitário e de massas.

A justificação jurídico-constitucional do Estado Novo acompanhou o movimento de delegação legislativa, isto é, de transferência do Poder Legislativo para a administração pública, bem como sustentou a constitucionalização de instrumentos provisionais de manutenção do poder político, como o estado de emergência. Essas duas características eram compartilhadas por várias constituições do Ocidente. Na América Latina, o Brasil destacou-se por aproximar um modelo de Estado que só emergiu com a derrocada da democracia de Weimar. Foi expressão de alterações profundas na atividade constitucional, refletidas, por exemplo, na consolidação da ditadura polonesa sob o marechal Pilsudsky. Francisco Campos, desde 1935, pelo menos, já havia teorizado o estado latente da violência sob os regimes totalitários, movidos pela excitação irracional das emoções e pelo controle mítico das massas. Em "A Política e o Nosso Tempo", ele avalia os regimes ditatoriais fundados no antiintelectualismo alemão, diagnosticando a imanente irracionalidade do processo político, originariamente estimulado pelo mito marxista da revolução econômico-social. Contra esse mito, indica o surgimento de outro, da nação e a configuração dos tempos modernos pela figura de um grande líder capaz de trazer a ordem social também pela mobilização irracional das emoções.

O regime varguista fora orientado a estabelecer um inimigo comum – o comunismo – como referência de seus próprios limites, ponto a partir do qual poderia constituir-se discursiva e juridicamente. Não é por acaso que o Brasil de Vargas, muito antes da movimentação internacional por ocasião da Segunda Guerra Mundial, "fez mais em contra-atacar a infiltração subversiva estrangeira que qualquer outro Estado Latino-Americano" (Loewenstein, 1942:147, tradução do autor). Deu tanto relevo a sua Constituição como a seus decretos, que estabeleceram um controle rigoroso dos indivíduos estrangeiros e respectivas atividades públicas e privadas no país (principalmente as relacionadas com educação e formação de opinião). Na verdade, a justificativa para a outorga da Constituição de 1937 está vinculada à artimanha política do forjado Plano Cohen, que teria comprovado, como declarado em seu preâmbulo, a "infiltração comunista, que se torna dia a dia mais extensa e mais profunda" (Porto, 2001:69).

Campos dedicava-se a construir um conjunto de argumentos que legitimasse a nova Constituição. Tinha a seu favor um entendimento social bastante complexo, que recepcionava o advento das sociedades de massas e identificava a funcionalidade de sua desrazão. Em síntese, argumenta que a vontade dos povos se forma a partir da constante excitação das paixões em uma época em que as instituições políticas liberais não passam de ingenuidade e anacronismo. Por conta disso, seu novo Estado de massas repousará sobre uma auctoritas que funciona através do apelo do líder carismático. O ponto nodal de sua abordagem, aquele que o eleva à categoria de um dos mais importantes pensadores brasileiros do século XX, um intérprete ainda central para o Brasil atual, é a recuperação, especialmente através de sua teoria constitucional, da relação entre tempo e política. A crítica que o constitucionalismo antiliberal dirige ao liberalismo indica que o processo decisório parlamentar não acompanha a dinâmica temporal contemporânea. No entanto, a solução proposta por Campos é adequar as instituições públicas às exigências do tempo pela exceção. A pressão dos fatos exige uma ditadura. A questão que daí emerge é qual o caminho para que a sociedade moderna encontre um arranjo institucional que responda, ao mesmo tempo, à rapidez e à flexibilidade dos tempos modernos, sem sucumbir à lógica da exceção.



NOTAS

1. A título exemplificativo e não-exaustivo: Faoro (2000); Lamounier (1997 [1978]); Medeiros (1978); Santos (1978 [1974]) e Schwartzman (1983).

2. Será rapidamente discutida à frente a abordagem de Lamounier (1997 [1978]), que sustenta não haver solução de continuidade entre o "autoritarismo" de Francisco Campos e o de seus antecessores.

3. O castilhismo pode ser considerado uma filosofia política ou uma doutrina na medida em que ele se orientava por princípios cardeais e indicava, como derivação, um sistema de governo definido. Seus princípios podem ser assim resumidos: a) a virtude como fundamento e finalidade da atividade política, manifestada através da "pureza das intenções" do governante; b) a conseqüente construção da res pública vista como a realização concreta da virtude do governante; c) a autoridade do Estado organizada para tutelar a sociedade de forma moralizadora. Em relação aos princípios-guia do castilhismo, poder-se-ia indicar os pontos nodais que sustentavam um determinado sistema de governo, caracterizado, então: a) pelo reconhecimento da influência da sociologia positiva sobre a política, ou seja, pela pretensão de cientificidade do modelo de Estado proposto; b) por uma espécie de antiliberalismo institucional, isto é, a percepção da política de conciliação nos moldes liberais, realizada pela oposição (federalistas gaúchos), como deletéria; c) pela necessidade de burocratizar a máquina pública; d) pela idéia de ordem e de estabilidade social como fundamentos da continuidade no poder; e e) pela recepção formal e parcimoniosa da idéia de representação, acarretando conseqüente desdém à obediência das regras do mecanismo eleitoral.

4. Campos foi um dos políticos mais ativos na configuração do Estado brasileiro durante o século XX. Responsável pela reorganização dos sistemas educacional, legal e constitucional durante a Revolução de 1930 e no Estado Novo, elaborou também o Ato Institucional nº 1, que deu origem ao regime militar (1964-1985). De 1935 até 1937, quando deixou o cargo de secretário de Educação do antigo Distrito Federal para elaborar o Projeto da Constituição outorgada, Campos já era o jurista mais influente na política nacional, articulando com os integralistas o apoio a Vargas. De 1937 a 1942, ocupou o cargo de ministro da Justiça e Negócios Interiores, colaborando diretamente para a consolidação do regime. Como personagem do Estado Novo, foi responsável pela reforma dos Códigos de Processo Civil, Penal e Processo Penal. Criou a Lei Orgânica dos Estados, que pretendia limitar seus poderes legislativo e administrativo, vinculando-os ao poder central; a Lei de Crimes contra a Economia Popular, a Lei de Segurança Nacional; as Leis de Naturalidade (naturalização, repressão política a estrangeiros, expulsão, extradição e imigração); a regulação da cobrança da dívida ativa da União; o Decreto-Lei contra o loteamento de terrenos; a Lei de Fronteiras etc. Sua produção intelectual reúne uma quantidade razoável de trabalhos técnicos referentes à educação, alguns deles reunidos em dois livros, Pela Civilização Mineira: Documentos de Governo, 1926-1930 (1930) e Educação e Cultura (1940e), algumas compilações de seus discursos parlamentares, presentes nos livros Antecipações à Reforma Política (1940b [1914]) e Discursos Parlamentares (1979) e trabalhos de natureza técnico-jurídica nas áreas de Direito Constitucional, Administrativo, Comercial, Penal e Processual Penal. No que diz respeito a trabalhos jurídicos de âmbito mais geral, escreveu o livro O Animus na Posse (1918), sobre Direitos Reais, e o livro Introdução Crítica à Filosofia do Direito (1918), no qual examina o papel da filosofia e da sociologia do direito a partir da discussão do neo-kantismo. Publica, ainda em 1916, um trabalho sobre economia política (A Doutrina da População), em que critica Marx e Malthus. Livros de caráter ensaístico e literário também são publicados no decorrer da sua vida, destacando-se Ciclo de Helena (1932) e Atualidade de D. Quixote (1951 [1948]), o primeiro utilizado para uma candidatura infrutífera a uma vaga na Academia Brasileira de Letras. O seu livro mais influente foi publicado quando já era ministro da Justiça, O Estado Nacional: Sua Estructura, seu Conteúdo Ideológico (1940). Neste livro, além de sua conferência no salão de Belas Artes, A Política e o Nosso Tempo (1940a [1935]), estão agrupados inúmeros artigos, entrevistas e discursos oficiais.

5. Essas expressões, juntamente com "patriotismo diferenciado", citada no seu ensaio "Democracia e Unidade Nacional", são de Euclides da Cunha, em "Contrastes e Confrontos" (1966), e representam a crítica a um modelo de federalismo que não deseja uma normalização de caráter nacional.

6. "O regime funcionava como um organismo embrionário, reclamando os cuidados e o prestígio dos homens sinceros, que, pela experiência e pelo estudo, influíssem diretamente sobre o seu desenvolvimento. Permanecer indiferente diante da iminência de uma catástrofe era ausência de altruísmo e obstinação de inteligência. Nem por egoísmo, nem por cegueira, o conselheiro Afonso Pena se abstivera da República: quando, portanto, foram reclamados os seus serviços, ele interveio, reatando o curso de sua tradição política e fazendo servir à República as virtudes do Império" (Campos, 1940b [1914]:6).

7. Em Atualidade de D. Quixote (Campos, 1951 [1948]), a relação entre D. Quixote e Sancho Pança é lida como um processo tradicional de civilização a ser utilizado em oposição à dissipação cultural contemporânea. A cultura decaída desta sociedade é personificada no anti-heroísmo de Hamlet e Fausto. O objetivo do texto é a perscrutação de uma metáfora do desespero moderno – a relação entre o "potencial emotivo do homem contemporâneo", representado pela passividade de Sancho Pança, e a força simbólica, a expressividade emblemática de uma vontade transformada em decisão na figura de D. Quixote. Esse desespero representa uma crise emocional cuja origem é a falta de um catalisador autêntico, tanto para substituir "o vazio da ausência divina", quanto para evitar "o abuso moral, a degradação maquiavélica da inteligência que se propõe secretariar as massas para, traindo-as, conduzi-las ao aprisco de César". Nesse D. Quixote, uma solução política – a revitalização das instituições naquilo que condensam de apelo emocional e ritualístico – é elevada ao status de cruzada e a autoridade evocada pelo vulto quixotesco é a não menos emblemática figura do Papa.


fonte: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-52582007000200003&lng=pt&nrm=iso